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ALBA ZALUAR
Religião
e poder
QUALQUER RELAÇÃO humana tem uma dimensão de
poder, até mesmo a mais
amorosa e incondicional de todas
que é a relação entre pais e filhos.
Por mais que afirmem o contrário
os novos radicais que escrevem
inutilmente sobre o fim do poder.
No entanto, há esferas cada vez
mais amplas do alcance de uma decisão, uma ordem, uma idéia, um
afeto. E aí começam os maiores
problemas da afirmação dos princípios e práticas democráticas.
Quanto mais amplo o alcance, mais
complicada a constituição da disparidade de poder nas posições de
cada pessoa ou grupo humano.
Democracia de massas sempre
deixa muitos de fora, muitos insatisfeitos com as decisões tomadas.
Por isso, todo cuidado é pouco na
decisão sobre o mais justo para o
maior número possível de pessoas.
Assim é a discussão sobre a pesquisa com células-tronco embrionárias. Sem entrar no mérito da
questão, pois me falta a competência da biologia e da bioética, o que
interessa são os argumentos empregados pelos que discutem.
O debate aborda um amplo espectro de idéias a respeito da vida,
mas ultimamente se resume na decisão onde e quando começa a vida.
Decidir quando ela termina foi
bem mais fácil e, graças a isso, muitas vidas foram salvas com o transplante de órgãos e células vivas de pessoas com morte cerebral.
Na história das religiões, a interferência de dogmas religiosos no
avanço da ciência laica sempre foi
presente, para o bem e para o mal.
Acusações de heresia e demonismo, exclusões brutais da igreja,
condenações à morte barraram o
livre pensar de cientistas pioneiros
nas infindáveis descobertas sobre
o universo astronômico e o universo molecular.
Hoje, a Justiça canônica, depois
da separação entre Estado e igreja,
não pode interferir e resta o poder
advindo da autoridade religiosa sobre a definição do que é a vida. Mas
a divergência entre as religiões, na
palavra de seus líderes, demonstra
que não será o dogma que esclarecerá a questão. No judaísmo, a verdade religiosa não contesta a verdade científica, e a vida começa
com o nascimento; no catolicismo
dogmático, antes da implantação
uterina, está em milhares de células em mínimas provetas.
A pesquisa com tais células, que
seriam jogadas no lixo, quando sem
uso, pode salvar milhares de vidas.
No atual quadro de violência urbana, com transeuntes, policiais, moradores de favela, assaltados atingidos por balas e sofrendo as seqüelas da invalidez, cria-se um paradoxo. Em nome de uma vida que
ainda não se instalou e vai desaparecer no lixo, as vidas de seres humanos já constituídos perde-se no
dogmatismo religioso.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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