São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2011

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Sigilo à venda

Governo paulista erra ao manter segredo sobre dados de criminalidade e se vê obrigado a demitir sociólogo que os explorava em empresa

Já era de todo questionável a prática do governo de São Paulo de não divulgar dados detalhados sobre a criminalidade no Estado. A justificativa era que isso poderia alarmar a população e provocar a depreciação de imóveis em certas regiões.
Agora se sabe, graças a reportagem da Folha, que as informações ocultadas estavam disponíveis para poucos, mediante pagamento, por meio de consultoria da qual era sócio um alto funcionário da Secretaria de Segurança Pública: o sociólogo Túlio Kahn, chefe desde 2003 da Coordenadoria de Análise e Planejamento, que concentra todas as estatísticas sobre violência em São Paulo.
Nessa função, Kahn granjeou a reputação de técnico que contribuiu para elevar a qualidade dos diagnósticos sobre segurança. Nos últimos anos, o Estado obteve importantes reduções nos índices de criminalidade.
Ocorre que, desde 2005, Kahn era também sócio-diretor de empresa que vendia estudos com lastro nos dados sonegados. Como era inevitável, acabou demitido.
Causa estranheza que as atividades extragovernamentais de Kahn tenham passado incólumes por três administrações -Geraldo Alckmin (2003-2006), José Serra (2007-2010) e novamente Alckmin. Segundo argumenta o sociólogo, a sugestão teria partido do próprio governo, como forma de complementar vencimentos.
Ao anunciar a demissão do coordenador, o governador negou que tenha havido autorização para tanto. Parece implausível, contudo, que os superiores de Kahn -os secretários de Segurança Pública Saulo de Castro Abreu Filho e, agora, Antonio Ferreira Pinto- ignorassem o aproveitamento paralelo dos dados sigilosos.
A falta de informações detalhadas e confiáveis sobre segurança pública é um problema antigo no país. Enquanto nos Estados Unidos as informações locais são computadas e reunidas em um banco de dados nacional desde a década de 1930, no Brasil a uniformização patina.
A divulgação dos dados, nacionais e locais, tem óbvio interesse público. No plano federal, permite que analistas no governo ou em instituições de pesquisa identifiquem padrões mais gerais das ações criminosas e contribuam para aperfeiçoar a prevenção, sobretudo do crime organizado.
Nas esferas regional e local, a publicação de informações e tendências permite ao cidadão se precaver. Ao saber que em determinada rua se furtam e roubam mais carros, por exemplo, pode-se exigir mais policiamento ou, simplesmente, estacionar em lugar mais seguro. O governo de Minas Gerais, também sob comando do PSDB, torna públicos dados como esses, sem sobressalto.
O contribuinte tem o direito de conhecer em detalhes a situação da violência em sua cidade. Sem informações de qualidade e análise exaustiva das raízes da criminalidade, público e autoridades ficam sem instrumentos para combatê-la racionalmente.


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