São Paulo, sábado, 03 de abril de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES


O Brasil tem condições de garantir o direito de voto ao preso provisório?

SIM

Negação do voto é patologia a ser debelada

KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE

DESCUMPRIR as normas estabelecidas pelo constituinte é uma forma de golpe constitucional. A violação, por omissão do Poder Judiciário, referente ao voto do preso provisório e do adolescente é marca vergonhosa há 22 anos.
Esse quadro retrata o grave problema apontado em 2007 por Marcos Nobre nesta Folha: "É possível tirar as prisões da invisibilidade, tornando o tema parte permanente do debate público. Presos são cidadãs e cidadãos brasileiros que, além de privados de liberdade, são também privados de seus direitos políticos. Não podem votar. Se pudessem, a sociedade seria obrigada a ouvir o que têm a dizer. Hoje, o único canal de expressão que têm é a manipulação por parte de organizações" (Opinião, 7/8/07).
Urge que as pessoas privadas de liberdade tenham interlocutores legítimos dentro do Estado, pois só assim a questão carcerária e de segurança não estará em mãos indevidas. O voto é garantido, inclusive para os presos condenados, em vários países, como Portugal, Alemanha, Holanda, Suécia, França, Grécia, Espanha, Noruega.
Para que a cidadania, fundamento do Estado democrático de Direito, saísse do papel, como já fizeram 11 TREs em 2008, o Tribunal Superior Eleitoral e o Conselho Nacional de Justiça formaram uma comissão e foi realizada audiência pública. Houve intensa atuação da sociedade civil e dos órgãos do Estado: CNPCP, Consej (Conselho de Secretários de Segurança e Administração Penitenciária), defensorias públicas, procuradorias eleitorais, Procuradoria dos Direitos do Cidadão, TREs.
O Colégio de Presidentes dos TREs proclamou em 2007 a necessidade de difusão do direito ao voto do preso provisório. O CNJ afirmou que a questão prisional deve ser prioritária e acentuou a necessidade de viabilizar o voto do preso. Tudo culminou com a edição de resolução do TSE, que usou as experiências, observações e soluções apresentadas pelos TREs e demais órgãos.
Não há registro de incidentes desde a colocação de urnas em presídios, em 2002, comprovando que preconceitos e dificuldades são vencíveis. Os candidatos passam pelo crivo da Justiça eleitoral. Os resultados das urnas se assemelham: os eleitores não canalizaram votos, mas podem fazê-lo, como quem está fora das muralhas.
A grandiosidade da população carcerária é falso óbice, pois ocorre nos Estados que têm maior capilaridade do sistema de Justiça e maior número de juízes. O quadro de estagiários e do funcionalismo do Ministério Público estadual e federal, das secretarias de Estado, das defensorias e do Judiciário são gigantescos diante do número de mesários, além do engajamento da OAB, comprometida com o ideário democrático.
Penitenciárias estão acostumadas com grande movimentação de pessoas em dias de visitas. Não é crível que o ingresso de cerca de três mesários por sessão traga dificuldades. Cabe aos TREs viabilizar o exercício de cidadania e é responsabilidade do Poder Executivo dar transparência à situação prisional, especialmente a eventual informação à população, de possuir estabelecimento no qual não tem condições de garantir a segurança de um pequeno número de mesários.
"O desprestígio da Constituição -por inércia de órgãos constituídos- representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da lei fundamental do Estado" (ministro Celso de Mello, Re 482.611).
Já está declarado que é inconcebível continuar a negar a condição de pessoa para os presos e adolescentes internados, assim como faziam com as mulheres, que até pouco não podiam votar.


KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE, juíza de direito em São Paulo, é co-fundadora e secretária do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia.

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