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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil tem condições de garantir o direito
de voto ao preso provisório?
SIM
Negação do voto é patologia a ser debelada
KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE
DESCUMPRIR as normas estabelecidas pelo constituinte é
uma forma de golpe constitucional. A violação, por omissão do Poder Judiciário, referente ao voto do
preso provisório e do adolescente é
marca vergonhosa há 22 anos.
Esse quadro retrata o grave problema apontado em 2007 por Marcos
Nobre nesta Folha: "É possível tirar
as prisões da invisibilidade, tornando
o tema parte permanente do debate
público. Presos são cidadãs e cidadãos brasileiros que, além de privados de liberdade, são também privados de seus direitos políticos. Não podem votar. Se pudessem, a sociedade
seria obrigada a ouvir o que têm a dizer. Hoje, o único canal de expressão
que têm é a manipulação por parte de
organizações" (Opinião, 7/8/07).
Urge que as pessoas privadas de liberdade tenham interlocutores legítimos dentro do Estado, pois só assim
a questão carcerária e de segurança
não estará em mãos indevidas.
O voto é garantido, inclusive para
os presos condenados, em vários países, como Portugal, Alemanha, Holanda, Suécia, França, Grécia, Espanha, Noruega.
Para que a cidadania, fundamento
do Estado democrático de Direito,
saísse do papel, como já fizeram 11
TREs em 2008, o Tribunal Superior
Eleitoral e o Conselho Nacional de
Justiça formaram uma comissão e foi
realizada audiência pública. Houve
intensa atuação da sociedade civil e
dos órgãos do Estado: CNPCP, Consej (Conselho de Secretários de Segurança e Administração Penitenciária), defensorias públicas, procuradorias eleitorais, Procuradoria dos Direitos do Cidadão, TREs.
O Colégio de Presidentes dos TREs
proclamou em 2007 a necessidade de
difusão do direito ao voto do preso
provisório. O CNJ afirmou que a
questão prisional deve ser prioritária
e acentuou a necessidade de viabilizar o voto do preso.
Tudo culminou com a edição de resolução do TSE, que usou as experiências, observações e soluções
apresentadas pelos TREs e demais órgãos.
Não há registro de incidentes desde
a colocação de urnas em presídios,
em 2002, comprovando que preconceitos e dificuldades são vencíveis. Os
candidatos passam pelo crivo da Justiça eleitoral. Os resultados das urnas
se assemelham: os eleitores não canalizaram votos, mas podem fazê-lo,
como quem está fora das muralhas.
A grandiosidade da população carcerária é falso óbice, pois ocorre nos
Estados que têm maior capilaridade
do sistema de Justiça e maior número de juízes. O quadro de estagiários e
do funcionalismo do Ministério Público estadual e federal, das secretarias de Estado, das defensorias e do Judiciário são gigantescos diante do
número de mesários, além do engajamento da OAB, comprometida com o
ideário democrático.
Penitenciárias estão acostumadas
com grande movimentação de pessoas em dias de visitas. Não é crível
que o ingresso de cerca de três mesários por sessão traga dificuldades.
Cabe aos TREs viabilizar o exercício de cidadania e é responsabilidade
do Poder Executivo dar transparência à situação prisional, especialmente a eventual informação à população, de possuir estabelecimento no
qual não tem condições de garantir a
segurança de um pequeno número de
mesários.
"O desprestígio da Constituição
-por inércia de órgãos constituídos- representa um dos mais graves
aspectos da patologia constitucional,
pois reflete inaceitável desprezo, por
parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da lei
fundamental do Estado" (ministro
Celso de Mello, Re 482.611).
Já está declarado que é inconcebível continuar a negar a condição de
pessoa para os presos e adolescentes
internados, assim como faziam com
as mulheres, que até pouco não podiam votar.
KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE, juíza de direito em São
Paulo, é co-fundadora e secretária do Conselho Executivo
da Associação Juízes para a Democracia.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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