São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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JOSÉ SARNEY

Napoleão, o café!

Em Genebra, o Brasil é tema do Salão do Livro, o maior evento cultural da Suíça. Estão presentes escritores não só brasileiros mas também franceses, que, de um modo ou de outro, se inspiraram no Brasil para escrever alguns livros importantes. Entre eles, Jean Christophe Rufin, que publicou agora um grande sucesso, o mais vendido e comentado no mundo da francofonia, "Rouge Brésil", Prêmio Goncourt, o "Nobel" da literatura na França. Ao contrário do que sugere o título -Brasil vermelho-, nada tem com a vantagem de Lula nas pesquisas, não é uma intenção alarmista e inaceitável do Merrill Lynch ou do Morgan Stanley, mas uma história sobre o sonho francês da França Antártica, Villegagnon e o que conta Jean de Léry sobre a aventura. O "vermelho" aí são os paus de tinta, a riqueza do Brasil pobre, mais pobre do que os pobres índios que comiam uns aos outros e devoraram muitos franceses, o que talvez tenha inspirado Nelson Pereira dos Santos a fazer o filme "Como Era Gostoso o Meu Francês", que não é uma declaração de amor, mas o gosto da carne branca e rara dos bretões e normandos que chegaram ao Rio de Janeiro no século 16 naquela expedição.
Falaram também de suas obras com a temática do Brasil Jean Soublin, que fez uma biografia extraordinária de dom Pedro 2º, bem escrita e resultado de cuidadosa pesquisa, e Gilles Lapouge, autor de "Equinociais", livro de viagem ao Brasil em que ele descobre, com a sensibilidade de quem vê, as cidades, as gentes, a natureza e, mais ainda, o tesouro escondido da alma do nosso povo. Outra obra sua é "Missão de Fronteira", saga de soldados portugueses que levam uma pedra gigante de cantaria para plantar no interior da mata amazônica, às margens do rio Negro, marcando o domínio de Portugal.
Na Suíça, conhece-se muito pouco da literatura brasileira. A oportunidade deste evento abre uma porta de interesse e curiosidade.
Mas, a hora, na Europa, não é só de livros. É muito mais de política, em particular das eleições francesas. De tal modo que, ao ser apresentado a um conselheiro (membro do colegiado que governa a região), ele foi logo me perguntando: "Como vai a extrema direita brasileira?". Disse-lhe: "Não temos". "Quer dizer que só extrema esquerda?" "Também não temos. O esquema do Felipão é não valorizar extremas." "Quem é Felipão, o presidente da República?" "Não, o técnico da seleção de futebol." "Mas não estou falando de futebol, estou falando de Le Pen." "Bem, repeti eu, também não temos." "Não é possível. Só a França?"
No hotel, pergunto o nome do garçom que me serviria o café, um filipino de olhos bem orientais. Perguntei-lhe qual era o seu nome. Ele respondeu: "Napoleão".
Eu, então, com voz pausada, disse a Napoleão: "Napoleão, traga-me café e leite". "Sim, senhor." Depois, chamei-o e matutei: "Enquanto os franceses estão pensando em Le Pen, eu estou dando ordens a Napoleão".
"Napoleão, traga-me manteiga e ovos fritos!"
É a história. Napoleão serve ovos fritos hoje, Le Pen vai lavar a cozinha amanhã. Política, como literatura, tem muito de ficção.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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