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JOSÉ SERRA
Ainda o islandês
Duas semanas atrás, fui jantar
com o professor EK num desses
restaurantes de São Paulo cuja comida
justifica a boa fama culinária da cidade. No carro, o trânsito da cidade dominou a conversa. Ele disse nunca ter
visto coisa igual no mundo.
Expliquei que o ano eleitoral piorava
a situação, pois a prefeitura estava
usando os tapumes para mostrar serviço e aumentar a chance de reeleição
de sua titular. Mas o islandês não conseguiu entender: "Desculpe, mas isso
parece iniciativa da oposição. Não foram os vereadores adversários que
obrigaram a prefeitura a fazer essas
obras, sem ter dinheiro suficiente, tudo de uma vez, numa cidade já tão sofrida e na véspera de uma eleição?".
Alem disso, acrescentou, "numa cidade desse tamanho e que tem pouco
metrô, novos viadutos, passagens de
nível e coisas assim são a menor distância entre dois engarrafamentos.
Não seria mais lógico consumir o dinheiro e a paciência das pessoas fazendo mais metrô?".
Nesse momento, chegamos ao restaurante, o que me livrou da obrigação de explicar-lhe, em inglês, a complexidade do assunto. Lá cruzamos,
por acaso, com os amigos e deputados
federais Jutahy Magalhães Jr. e Sebastião Madeira. No meio da nova conversa, aproximaram-se da mesa dois
homens falando castelhano. O mais
desenvolto se identificou como colombiano e diretor de um banco de investimentos multinacional sediado na
Europa, dizendo o quanto teria gostado de que eu tivesse sido eleito. Agradeci: "Es una lástima que los colombianos no pueden votar acá. A propósito, como ve su banco la situación
económica de Brasil?". Ele arriscou,
em portunhol: "O problema é que no
hay crescimento. Fazem falta buenos
negócios".
Expliquei para o EK, que entende
pouco português e espanhol, o que o
banqueiro havia dito, notando que, ao
contrário do que pensam o governo
federal e o PT, ele confirmara a teoria
de que o capital estrangeiro é pró-cíclico: aparece quando tudo anda bem
e reflui quando tudo vai mal.
EK ficou surpreso: "Alguém pode
pensar o contrário? Capital estrangeiro busca prosperidade. E o que vocês
fazem aqui -juros e impostos altíssimos, falta de investimentos públicos
úteis (não os dos tapumes)- afasta os
investimentos diretos estrangeiros.
Trata-se de uma atitude nacionalista
xenófoba do PT. Vocês, da oposição,
não perceberam isso". E tem mais: "O
governo do Lula tem feito questão de
reduzir os financiamentos do Banco
Mundial e do BID, apesar de serem
mais baratos e de prazo mais longo
que os empréstimos privados. Eis
uma forma original de ser contra o
Consenso de Washington, cidade onde estão as sedes daqueles bancos".
O Jutahy e o Madeira preparavam-se
para rebater essas idéias esdrúxulas
em nosso universo mental quando a
chegada do peixe com purê de mandioquinha me permitiu desviar a conversa para temas mais amenos.
Mas, no caminho para o hotel, EK
arrematou: "Sabe, Serra, o que o colombiano ignora é que seu banco anda arredio com a economia brasileira
porque o Banco Central brasileiro não
é independente". Diante da minha
surpresa: "Pelo menos é isso que um
alto funcionário do governo [pediu-me "off" sobre o nome] acha que eles
acham". Convenci, então, o conterrâneo da Bjork de que ele jamais entenderia minhas explicações a respeito na
porta do hotel e naquela hora da noite.
José Serra escreve às segundas nesta coluna.
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