São Paulo, quarta-feira, 03 de maio de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

A supervalorização do real

Existe uma enorme inquietude na agropecuária brasileira. Com exceção dos cítricos (resultado dos furacões que se abateram sobre a Flórida), do café (beneficiado pela redução dos estoques mundiais do produto) e do setor sucroalcooleiro (posto em evidência pela histeria que cerca o petróleo), todos os outros produtos agrícolas enfrentam problemas gerados pela defasagem entre preços e custos. Na pecuária (onde hoje somos os maiores exportadores mundiais), a situação não é melhor, com a sombra da febre aftosa e a sobrevalorização cambial criando graves incertezas. Na avicultura, a preocupação com a gripe aviária (transmitida pelo vírus H5N1) chega quase ao "terrorismo": a mortalidade dos humanos que contraíram o vírus pelo manuseio direto com as aves infectadas é da ordem de 50%. Em relação à carne suína, depois de uma recuperação forte em 2004, o setor continua sob a ameaça do humor russo, que absorve 2/3 das nossas exportações.
Apesar de todas as dificuldades (e da estiagem sofrida), a última estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica uma produção de grãos da ordem de 122,6 milhões de toneladas para a safra 2005/06, contra 113,9 milhões de toneladas para a safra 2004/05: um aumento físico nada desprezível de 7,6%. Infelizmente, diante dos preços produzidos pela supervalorização cambial, o valor bruto da produção agrícola será menor do que a anterior, aumentando o descompasso entre a receita e o endividamento do setor. O paradoxo brasileiro é que uma política monetária míope sustenta uma taxa cambial que está levando à falência a agricultura mais eficiente do mundo!
Mas não param aí os inconvenientes da supervalorização cambial. Uma eterna discussão entre economistas é se as "vantagens comparativas" foram entregues aos países por Deus como parte integrante de seus recursos naturais, sendo imutáveis, ou se elas, em condições adequadas, podem ser criadas. Essa, obviamente, é uma questão empírica e não pode ser resolvida por filigranas de lógica escolástica.
O governo de Fernando Henrique Cardoso, depois de uma longa batalha que durou mais de três anos, aprovou o Moderfrota (um programa de crédito subsidiado com juros fixos feito pelo BNDES). Os subsídios (ideologicamente condenados) foram, depois, fartamente recuperados pela arrecadação de impostos derivada da própria atividade. O resultado, no que diz respeito ao setor de tratores, está registrado na tabela abaixo:

Os números revelam dois fatos.
Primeiro, o "afundamento" do setor agrícola em 2005, a que já nos referimos. Segundo, com a expectativa de aumento da demanda de tratores, as fábricas aproveitaram as economias de escala e transferiram para o Brasil plantas industriais no "estado da arte". De importadores nos transformamos em exportadores, o que pode estar prestes a extinguir-se pela irresponsável supervalorização do real, produzida, em parte, pela arbitragem entre juros reais internos e externos.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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