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ANTONIO DELFIM NETTO
A supervalorização do real
Existe uma enorme inquietude
na agropecuária brasileira. Com
exceção dos cítricos (resultado dos furacões que se abateram sobre a Flórida), do café (beneficiado pela redução
dos estoques mundiais do produto) e
do setor sucroalcooleiro (posto em
evidência pela histeria que cerca o petróleo), todos os outros produtos agrícolas enfrentam problemas gerados
pela defasagem entre preços e custos.
Na pecuária (onde hoje somos os
maiores exportadores mundiais), a situação não é melhor, com a sombra da
febre aftosa e a sobrevalorização cambial criando graves incertezas. Na avicultura, a preocupação com a gripe
aviária (transmitida pelo vírus H5N1)
chega quase ao "terrorismo": a mortalidade dos humanos que contraíram o
vírus pelo manuseio direto com as
aves infectadas é da ordem de 50%.
Em relação à carne suína, depois de
uma recuperação forte em 2004, o setor continua sob a ameaça do humor
russo, que absorve 2/3 das nossas exportações.
Apesar de todas as dificuldades (e da
estiagem sofrida), a última estimativa
da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica uma produção
de grãos da ordem de 122,6 milhões de
toneladas para a safra 2005/06, contra
113,9 milhões de toneladas para a safra
2004/05: um aumento físico nada desprezível de 7,6%. Infelizmente, diante
dos preços produzidos pela supervalorização cambial, o valor bruto da
produção agrícola será menor do que
a anterior, aumentando o descompasso entre a receita e o endividamento
do setor. O paradoxo brasileiro é que
uma política monetária míope sustenta uma taxa cambial que está levando
à falência a agricultura mais eficiente
do mundo!
Mas não param aí os inconvenientes
da supervalorização cambial. Uma
eterna discussão entre economistas é
se as "vantagens comparativas" foram
entregues aos países por Deus como
parte integrante de seus recursos naturais, sendo imutáveis, ou se elas, em
condições adequadas, podem ser criadas. Essa, obviamente, é uma questão
empírica e não pode ser resolvida por
filigranas de lógica escolástica.
O governo de Fernando Henrique
Cardoso, depois de uma longa batalha
que durou mais de três anos, aprovou
o Moderfrota (um programa de crédito subsidiado com juros fixos feito pelo BNDES). Os subsídios (ideologicamente condenados) foram, depois,
fartamente recuperados pela arrecadação de impostos derivada da própria atividade. O resultado, no que diz
respeito ao setor de tratores, está registrado na tabela abaixo:
Os números revelam dois fatos.
Primeiro, o "afundamento" do setor
agrícola em 2005, a que já nos referimos. Segundo, com a expectativa de
aumento da demanda de tratores, as
fábricas aproveitaram as economias
de escala e transferiram para o Brasil
plantas industriais no "estado da arte". De importadores nos transformamos em exportadores, o que pode estar prestes a extinguir-se pela irresponsável supervalorização do real,
produzida, em parte, pela arbitragem
entre juros reais internos e externos.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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