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Tragédia boliviana
Enquanto separatismo de Santa Cruz vai às urnas, Morales mantém o curso de sua política de etnias, ela própria sectária
O PRESIDENTE Evo Morales encena amanhã, na
condição de coadjuvante, mais um ato da
tragédia em que vai enveredando
a política boliviana. A região de
Santa Cruz, a mais próspera do
país sul-americano mais miserável, tende a ratificar, em votação
popular, o estatuto que lhe confere autonomia administrativa
em relação a La Paz.
A campanha separatista cruzenha -decerto insuflada por bordões racistas, mas assentada
também num descontentamento com o poder central que vem
de décadas- é uma resposta
mais que previsível à inabilidade
política e ao radicalismo revanchista que animam o governo
Morales. Em vez de agir no sentido da conciliação nacional, o presidente optou, desde a sua posse
em 2006, pela linha do confronto e da divisão.
Tão separatista quanto o Estatuto Autonômico do Departamento de Santa Cruz é a Constituição aprovada, sem ter obtido
amplo respaldo no país, pelos deputados da base de Evo Morales.
A Carta confere às várias etnias
indígenas bolivianas poderes especiais -como as cotas étnicas
em cargos eletivos e na cúpula do
Judiciário e a faculdade de instalar um sistema jurídico autônomo- , transformando a Bolívia
numa espécie de confederação
multirracial.
Todo esse programa estapafúrdio de promover uma vingança por 500 anos de exploração
"branca" se baseia em pressupostos econômicos de uma estupidez patente. O presidente Morales e seus apoiadores acreditam que basta nacionalizar os recursos do subsolo para garantir
um fluxo crescente de riqueza, a
ser canalizado preferencialmente para indígenas e pobres.
No evento de 1º de Maio que
completou o ciclo da estatização
de hidrocarbonetos, Morales
disse que, a partir de agora, "a
[estatal] YPFB se prepara não
apenas para a administração e a
operação, como para a exploração e a perfuração de novos campos." Esqueceu-se de que é preciso capital e tecnologia, em escala que a Bolívia não detém, para transformar o potencial que
está debaixo da terra em riqueza
de fato -para nada dizer da tendência de La Paz de sacrificar a
sua estatal energética no altar do
distributivismo, como ocorre
com a PDVSA na Venezuela.
Morales também se esqueceu
de que precisaria ter negociado e
persuadido os habitantes de Santa Cruz, região onde estão as
principais jazidas e as terras férteis, a participar de um projeto
nacional de distribuição de riquezas. O presidente não tem
condições de submeter os cruzenhos à força sem elevar perigosamente o risco de confronto civil.
Os militares, corporação que
por natureza se opõe a qualquer
separatismo territorial, tampouco estão confortáveis com o projeto sectário abraçado por Morales. Se as Forças Armadas forem
chamadas a decidir o conflito, seja para que lado for, estará consumado o epílogo da tragédia.
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