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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Por que a Alca seria nociva ao Brasil
A derir à Alca seria o maior erro
de nossa história nacional. Para
optar por rejeitá-la, não precisamos
regredir ao protecionismo semi-autárquico. Basta abrirmos as cabeças
para as preocupações estratégicas que
norteiam a nova teoria do comércio
internacional e abrirmos os olhos para
as experiências de nossos vizinhos.
As vantagens comparativas entre as
nações não são naturais ou eternas.
Resultam da ação, especialmente
quando acertadas entre empresas e
governos. Para melhorar de lugar na
divisão internacional do trabalho, um
país tem de consolidar conjuntos de
capacidades e de empreendimentos
que se reforcem a ponto de fincar raízes. Raízes que resistam ao oportunismo dos mercados internacionais. Ao
mesmo tempo, e sobretudo nos setores em que é mais difícil evitar o surgimento constante de novos concorrentes no mundo, tem de fazer a travessia
da eficiência baseada em trabalho barato para a eficiência fundada em trabalho mais produtivo.
O livre comércio tende a ser mais
vantajoso ou entre economias com níveis de produtividade semelhantes ou
entre países tão desiguais -os mais
ricos e os mais pobres- que os benefícios da especialização e da emulação
predominem sobre os prejuízos da
inibição. Os perigos do livre comércio
são maiores quando um dos parceiros
tem perspectiva de galgar os degraus
que lhe permitam comerciar em condições relativamente equânimes com
o outro. Esse é nosso caso em relação
aos Estados Unidos.
A discussão brasileira a respeito da
Alca se trava como se a presunção a favor do livre comércio absoluto estivesse sendo revertida pelo caráter leonino das propostas dos Estados Unidos.
A verdade é que a presunção contra o
livre comércio entre duas economias
como essas duas só se reverteria por
meio de concessões extraordinárias
da mais forte à mais fraca -concessões ainda maiores do que aquelas
empregadas para construir a União
Européia.
A essa objeção econômica acresce
outra, de ordem política. Um dos pilares sobre os quais os Estados Unidos
querem manter sua predominância
no mundo é sua hegemonia no hemisfério ocidental. O Brasil contemporizou, por necessidade, com essa idéia,
sem jamais aceitá-la. A Alca ajudaria,
porém, a perpetuá-la e a enrijecê-la.
Rejeitar a Alca não é nos isolar. Para
aumentar nossos fluxos de comércio,
precisamos assegurar a primazia dos
interesses do trabalho e da produção
no Brasil e continuar a multiplicar os
acordos bilaterais -apenas pontuais
com os Estados Unidos e a União Européia, mais abrangentes com nossos
outros parceiros. E encontrar os aliados com quem lutar, dentro e fora da
Organização Mundial do Comércio,
para mudar as regras do jogo. O problema não está em nosso isolamento.
Está em nossa passividade.
Quem quiser fatos que confirmem
essas idéias deve olhar em volta na
América Latina. Se livre comércio
com os Estados Unidos fosse, para um
país como o nosso, o caminho do
avanço, Porto Rico seria um paraíso. É
uma sociedade desmoralizada -com
fome zero e com esperança zero. O
México teria encontrado no Nafta a
maneira de contrabalançar, por meio
do dinamismo econômico, sua dependência avassaladora dos Estados
Unidos. Apesar de juros baixos, vegeta na estagnação. E assiste, impotente,
à involução tecnológica de suas indústrias montadoras e à fuga do emprego
para países de trabalho mais barato.
O Brasil não precisa da Alca. Precisa
de projeto.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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