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São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A porta da frente

RIO DE JANEIRO - Ficamos chocados com a fuga de um bandido pela porta da frente de um quartel da PM aqui no Rio. O assunto é analisado de diferentes ângulos, mas o detalhe tragicômico do episódio foi mesmo a porta principal do quartel, que dá diretamente para uma rua movimentada: milhares de ônibus, carros e transeuntes passam pela enorme boca do quartel. Do lado de fora, vêem-se as entranhas dos alojamentos, o pátio onde há exercícios e manobras.
Sempre acreditei que o melhor lugar para se esconder fosse permanecer no lugar mais óbvio. Em 64, fui procurado pela polícia e por militares para ajustar contas com eles. Aconselharam-me a que me escafedesse. Detesto esse verbo. Recusando-me a isso, admiti que seria bom esconder-me por uns tempos. Ofereceram-me váriios abrigos e até mesmo asilos, mas dispensei uns e outros.
Hospedei-me num hotel cuja portaria dava diretamente para a porta principal do Dops. De lá, não só continuava enviando minhas crônicas para o jornal, que ficava próximo, como vigiava a porta fatídica, por onde muitos passavam e não voltavam.
Por aqueles dias, apreenderam meu carro, um Simca Chambord de duas cores. Naquela manhã, acordei e fui espiar a porta do Dops. Lá estava minha viatura, amarrada por correntes a um poste.
E, naquele mesmo dia, lendo as folhas, fiquei sabendo que eu estava homiziado num aparelho clandestino do Partidão, ao qual nunca pertenci e que nunca me ofereceu abrigo. O tal aparelho era em Pirapora, onde nunca tinha ido até então e até hoje não tive o prazer de lá botar os pés.
Num tribunal francês, havia um crucifixo de marfim cravejado de rubis nas cinco chagas do redentor. Estava protegido por segurança máxima para impedir um roubo. Durante uma sessão plenária, com juízes, promotores, advogados, réus e testemunhas, um sujeito entrou com um macacão de serviço e uma escada, tirou o crucifixo, aparentemente para limpá-lo. Só no dia seguinte ficaram sabendo que fora roubado.


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