São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2008

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MARCOS NOBRE

De híbridos e mutantes

NÃO É NADA fácil entender a proposta do Fundo Soberano Brasil. Tudo o que se diz quer dizer outra coisa. E o que se diz e o que se quer dizer mudam a cada semana.
O esforço fiscal adicional de 0,5% do PIB (além da meta de 3,8%) foi apresentado inicialmente como instrumento de combate à inflação. Depois se revelou que criaria uma espécie de filial off shore do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a internacionalização de empresas brasileiras. Por fim, veio à luz que pretendia servir também como possível contrapeso na política cambial, atribuição hoje exclusiva do Banco Central.
Em sua última intervenção, o ministro da Fazenda começou a chamar a proposta de híbrida, com "atuação fiscal e anticíclica" (o que quer que isso queira dizer). Mais correto seria chamá-la de mutante.
Porque tudo indica que agora o fundo não mais comprará reservas em moeda estrangeira. E não se tem idéia de como poderia colaborar para controlar a inflação.
O que explica tantas idas e vindas é a disputa política dentro do próprio governo sobre como combater a inflação em alta. A proposta do fundo representa uma frente no governo contra políticas econômicas ortodoxas, uma ala liderada pelo BNDES, tendo como aliado o ministro da Fazenda. O ministro do Desenvolvimento parece observar tudo de longe, sem atrapalhar nem ajudar.
O governo Lula recebeu um grande empurrão dos altos preços internacionais de commodities como minérios e alimentos. Mas foi também muito bem-sucedido em abater a dívida externa pública e em implementar políticas de indução do crescimento econômico, como os aumentos reais do salário mínimo e o Bolsa Família. Realizou também reformas microeconômicas que permitiram uma impressionante expansão do crédito.
Até o momento, a ala "desenvolvimentista" do governo não soube mostrar a importância dessa realização em termos de uma política pelo menos complementar (e não alternativa) ao "monetarismo" do Banco Central. E, sobretudo, não conseguiu ainda apresentar propostas eficazes para o controle da inflação. Essa confusão acaba fazendo com que o aumento de juros pareça ser o único instrumento disponível para combater a inflação, o que é desastroso.
Nesse contexto, a proposta de utilizar o esforço adicional de superávit para abater dívida pública aparece hoje como a alternativa menos danosa e mais eficaz. É difícil discutir o fundo soberano, porque nem sequer se sabe o que será.
O que se sabe é que seu destino será o mesmo da disputa de poder que se trava hoje dentro do governo.


nobre.a2@uol.com.br

MARCOS NOBRE
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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