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MARCOS NOBRE
De híbridos e mutantes
NÃO É NADA fácil entender a
proposta do Fundo Soberano Brasil. Tudo o que se diz
quer dizer outra coisa. E o que se
diz e o que se quer dizer mudam a
cada semana.
O esforço fiscal adicional de
0,5% do PIB (além da meta de
3,8%) foi apresentado inicialmente
como instrumento de combate à
inflação. Depois se revelou que
criaria uma espécie de filial off shore do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) para financiar a internacionalização de empresas brasileiras. Por fim, veio à luz que pretendia servir também como possível
contrapeso na política cambial,
atribuição hoje exclusiva do Banco
Central.
Em sua última intervenção, o
ministro da Fazenda começou a
chamar a proposta de híbrida, com
"atuação fiscal e anticíclica" (o que
quer que isso queira dizer). Mais
correto seria chamá-la de mutante.
Porque tudo indica que agora o
fundo não mais comprará reservas
em moeda estrangeira. E não se
tem idéia de como poderia colaborar para controlar a inflação.
O que explica tantas idas e vindas
é a disputa política dentro do próprio governo sobre como combater
a inflação em alta. A proposta do
fundo representa uma frente no
governo contra políticas econômicas ortodoxas, uma ala liderada pelo BNDES, tendo como aliado o ministro da Fazenda. O ministro do
Desenvolvimento parece observar
tudo de longe, sem atrapalhar nem
ajudar.
O governo Lula recebeu um
grande empurrão dos altos preços
internacionais de commodities como minérios e alimentos. Mas foi
também muito bem-sucedido em
abater a dívida externa pública e
em implementar políticas de indução do crescimento econômico, como os aumentos reais do salário
mínimo e o Bolsa Família. Realizou
também reformas microeconômicas que permitiram uma impressionante expansão do crédito.
Até o momento, a ala "desenvolvimentista" do governo não soube
mostrar a importância dessa realização em termos de uma política
pelo menos complementar (e não
alternativa) ao "monetarismo" do
Banco Central. E, sobretudo, não
conseguiu ainda apresentar propostas eficazes para o controle da
inflação. Essa confusão acaba fazendo com que o aumento de juros
pareça ser o único instrumento
disponível para combater a inflação, o que é desastroso.
Nesse contexto, a proposta de
utilizar o esforço adicional de superávit para abater dívida pública
aparece hoje como a alternativa
menos danosa e mais eficaz. É difícil discutir o fundo soberano, porque nem sequer se sabe o que será.
O que se sabe é que seu destino será
o mesmo da disputa de poder que
se trava hoje dentro do governo.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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