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TENDÊNCIAS/DEBATES
O desafio de financiar o SUS
JOSÉ GOMES TEMPORÃO
É inconcebível que, aos 20 anos de idade, o SUS ainda não disponha de uma fonte de recursos estrutural, carimbada, definitiva
PRESTES A completar 20 anos de
criação, o SUS (Sistema Único
de Saúde) é um bem-sucedido
resultado político, de profunda transformação da realidade social.
Os brasileiros passaram a ter um
sistema de saúde absolutamente inclusivo, que não discrimina credo, cor
de pele, inclinação política, orientação sexual ou poder aquisitivo. Hoje,
cerca de 140 milhões de pessoas (70%
da população brasileira) dependem
exclusivamente do SUS como o seu
único acesso aos serviços de saúde.
Não podemos esquecer que o restante da população é também beneficiado pelo SUS, seja em campanhas
de vacinação, seja em atendimentos
de urgência, transplantes, aquisição
de medicamentos de alto custo e até
consumo de produtos cuja qualidade
é fiscalizada pela vigilância sanitária.
Cabe, então, a todos nós garantir e
ao mesmo tempo consolidar essa importante conquista.
O SUS ainda é um projeto em construção. Um projeto dos mais ambiciosos, pois, num país com as características e as peculiaridades que todos conhecemos, é enorme a complexidade
da situação da saúde e de um sistema
criado para abranger toda a população. Os desafios são grandes, mas dois
deles urgem ser vencidos, sob pena de
o SUS ter sua consolidação ameaçada:
a melhoria da gestão e a definição de
uma fonte de recursos financeiros
destinados à estruturação do setor.
A qualificação da gestão é fundamental para otimizar a aplicação das
verbas públicas, convertendo-as em
atendimento adequado aos usuários
do SUS. Com esse objetivo, o governo
federal encaminhou ao Congresso
Nacional um projeto de lei que cria a
figura da fundação estatal de direito
privado na saúde. Com uma administração mais eficiente e baseada em
metas assistenciais, poderemos atender às demandas de uma área que exige agilidade e bom acompanhamento.
Com relação à urgência de garantir
o financiamento da saúde, é inconcebível que, aos 20 anos de idade, o SUS
ainda não disponha de uma fonte de
recursos que seja estrutural, carimbada, definitiva, que permita ao sistema de saúde cumprir, nos próximos
anos, o que está previsto na Constituição brasileira: saúde universal, de
qualidade, com eficiência, atendendo
a todos os cidadãos brasileiros.
O Congresso tem uma ótima oportunidade de contribuir para que isso
aconteça. No momento, os congressistas discutem a regulamentação da
emenda constitucional 29, que define
o conceito de gasto em saúde e qual
deve ser o compromisso financeiro da
União, dos Estados e dos municípios
com o SUS.
Sem a regulamentação, gastos como saneamento básico, merenda escolar e limpeza urbana seguem sendo
incluídos na prestação de contas de
Estados e municípios. A indefinição
de como deve ser a contrapartida estadual e municipal faz com que, todos
os anos, R$ 5,7 bilhões deixem de ser
destinados ao orçamento setorial.
Já em relação ao compromisso da
União, a regulamentação da emenda
deve vir acompanhada de uma fonte
de recursos capaz de estruturar o
SUS, permitindo a ampliação da capacidade de investimentos na rede pública pelo Ministério da Saúde.
O desafio de ampliar serviços, diminuir filas e o tempo de espera, melhorar o atendimento à população e dar
novo alento aos gestores estaduais e
municipais do SUS passa necessariamente pela estruturação do orçamento setorial.
Por isso, a regulamentação da
emenda 29 é fundamental para o alcance dos objetivos do programa
Mais Saúde, lançado no final do ano
passado, com a previsão de investir
R$ 90 bilhões entre 2008 e 2011. Pela
primeira vez, a saúde tem um plano
consistente, um projeto com metas,
indicadores, prazo, resultados esperados. São políticas muito importantes que afetam diretamente as pessoas que hoje sofrem de câncer, de
doenças cardiovasculares, que precisam de um leito de UTI.
A proposta de regulamentação da
emenda 29 tramita no Congresso há
oito anos. É uma aspiração da sociedade brasileira, dos profissionais de
saúde e de todos os movimentos que
apóiam a qualificação e o fortalecimento do SUS. A discussão desse tema deve estar acima da coloração partidária. É assunto que deve interessar
tanto ao governo quanto à oposição.
O Congresso Nacional e seus parlamentares ali estão para representar
os interesses dos cidadãos, desejosos
por melhorias importantes na rede
pública de saúde. É preciso e urgente
definir a questão de forma definitiva.
A oportunidade é agora.
JOSÉ GOMES TEMPORÃO, 56, é o ministro da Saúde.
Médico, é mestre em saúde pública pela Escola Nacional
de Saúde Pública da Fiocruz e doutor em medicina social
pelo Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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