|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SOS saúde
RAFAEL GUERRA
O Brasil oferece uma saúde
pobre aos pobres. Em vez de
políticas estruturantes, são
ofertados paliativos para calar
os mais humildes
PESQUISAS de opinião revelam
que a saúde é o principal problema que aflige a população brasileira. As endemias de Terceiro Mundo que assolam o país (hanseníase,
tuberculose, malária, leishmaniose,
febre amarela, doença de Chagas), as
epidemias que teimam em não arrefecer, como a dengue, a deficiência
crônica de leitos hospitalares, leitos
de terapia intensiva, equipamentos
para prevenção e diagnóstico precoce
do câncer e outras doenças preveníveis e/ou controláveis e as filas de espera para tratamentos urgentes,
transplantes e serviços de urgência/
emergência são reflexo da falta de
respeito à dignidade e aos direitos individuais.
O Brasil oferece uma saúde pobre
para os pobres. Em vez de políticas
estruturantes que garantam a cidadania, são ofertados paliativos para calar os mais humildes.
A classe média é forçada a se escorar na saúde suplementar, custeada
com muito sacrifício, enquanto aos
mais pobres se oferece uma saúde nos
moldes do Bolsa Família, assistencialista, paliativa, para calar as consciências de pessoas que se contentam
com muito pouco, não são cidadãos.
A saúde não é prioridade política.
Não é possível estudar sem saúde,
trabalhar sem saúde, viver sem saúde;
no entanto, no Brasil, educação é investimento, geração de emprego é investimento, mas saúde é considerada
gasto.
Um pacote de incentivo à indústria
e à exportação, de R$ 21 bilhões, é investimento, assim como a desoneração da Cide dos combustíveis, de R$ 3
bilhões, o reajuste dos vencimentos
de funcionários civis e militares, que
irá custar R$ 10 bilhões, e um extemporâneo fundo soberano para financiar investimentos em infra-estrutura em outros países (não no Brasil?),
para agradar o empresariado nacional que quer investir no exterior em
tempos de real apreciado.
Enquanto isso, a saúde de 140 milhões de brasileiros -que dependem
do SUS- fica para depois.
O Brasil, entre os países emergentes e as nações da América Latina, é
um dos que menos investem em saúde. Para um gasto total de US$ 600
per capita/ano, apenas US$ 300 per
capita/ano vêm do setor público.
Destes, apenas US$ 150 são investimento federal, ou seja, US$ 0,40/dia
por cidadão brasileiro, para fazer promoção de saúde, prevenção, tratamento, recuperação e reabilitação de
doenças (fonte: MS - Siops, IBGE
-POF, dados de 2007).
Em relação ao percentual do PIB,
novamente o Brasil fica nos últimos
lugares: a aplicação em saúde fica em
7% do PIB, sendo o gasto público somente 3,5% do PIB, e o gasto federal,
irrisórios 1,8% do PIB. Enquanto isso,
os Estados Unidos aplicam 15,4% do
PIB, ou US$ 6.000 per capita; o Canadá, 9,8%, ou US$ 3.000 per capita; a
Argentina, 9,6%, ou US$ 383 per capita; o Uruguai, 8,2%, ou US$ 315 per
capita (fonte: WHO - World Health
Statistics - 2007).
Com esse percentual de participação pública no financiamento, acentua-se ainda mais a desigualdade social, pois 3,5% do PIB são gastos na
saúde de 140 milhões de brasileiros, e
os outros 3,5% ficam para os privilegiados que têm acesso à saúde suplementar e/ou privada (45 milhões).
No momento em que se propõe a
regulamentação da emenda constitucional nº 29, que traz no seu bojo um
aumento de 50% no gasto federal em
saúde no decorrer dos próximos quatro anos, surgem ameaças de veto
presidencial caso não se providencie
paralelamente a criação de novas fontes de recursos, com o conseqüente
aumento da carga tributária. E, aí,
surgem os maiores absurdos: imposto para a saúde oriundo da legalização
do jogo ou aumento de impostos sobre cigarros e bebidas. Isto é, para termos mais saúde para os brasileiros,
teríamos que financiá-la por meio do
estímulo ao vício e aos viciados...
Outro absurdo é a ressurreição
CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), com
o argumento de que, sendo para a
saúde, o povo aceitaria...
Por que não se fala em ressuscitar a
CPMF para o fundo soberano investir no exterior ou para o pacote de incentivo à produção e à exportação?
A
resposta é clara: é que, aos olhos do
governo federal, essas são ações prioritárias, enquanto a saúde não é prioridade política.
Vamos tirar a máscara daqueles
que se arvoram em defensores do social e dos pobres.
Não à ressurreição da CPMF e ao
aumento da carga tributária.
Sim à regulamentação da emenda
29, em defesa da saúde digna e de
qualidade para todos os brasileiros.
RAFAEL GUERRA, 65, médico cirurgião, é deputado federal (PSDB-MG) e presidente da Frente Parlamentar
da Saúde.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES José Gomes Temporão: O desafio de financiar o SUS Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|