|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Perdido, não
SÃO PAULO - Quando você começa a achar que não há nada mais a
ser descoberto na face da Terra (fisicamente, digo), eis que um imenso Airbus fica 36 horas, pouco mais,
pouco menos, completamente sumido, como se tivesse caído na ilha
de "Lost".
Foi só ontem à tarde que o ministro Nelson Jobim (Defesa) informou não haver dúvidas de que os
destroços localizados pertencem ao
avião da Air France.
Ainda assim, eu, leigo absoluto,
jamais poderia supor que a rota aérea que uso com razoável regularidade -e exatamente pela Air France, nos últimos anos- e que é das
mais movimentadas do mundo pudesse ter um tipo de buraco negro
ou um ponto cego em que desapareça um baita avião.
OK, dirão os especialistas, o avião
afundou no mar. Mas parece coisa
realmente de "Lost" ficar sabendo
que nenhum sinal exterior boiou
durante as primeiras 36 horas de
frenética busca.
Ainda mais que vivemos já há um
punhado de anos a era da tecnologia, da tecnologia da informação,
das comunicações, da globalização
-tudo tendente a deixar tudo muito exposto desde os primeiros momentos ou no mínimo a partir do
instante em que amanheceu na
área em que ontem se comprovou a
existência dos destroços.
Não estou tecendo alguma teoria
conspiratória envolvendo terrestres ou extraterrestres. Só estou dizendo que, pela primeira vez na vida, a ideia de voar me causa algum
(pequeno) desconforto, ainda mais
que tenho reserva em um voo Air
France para dentro de 20 dias, praticamente na mesma rota (o voo sai
de São Paulo, não do Rio).
Não adianta me contar que voar é
mais seguro que andar de carro. Já
sei. Já sei também que ninguém
morre de véspera, a não ser o peru
(assim mesmo no Natal, que não cai
ainda). Meu medo não é de morrer.
É de ficar perdido, morto ou vivo, e
sem poder escrever.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: O fim de um ciclo
Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: Um Congresso em frangalhos Índice
|