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CLÓVIS ROSSI
Tão pobres e tão contentes
SÃO PAULO - Era uma vez a inauguração do pavilhão brasileiro na
feira de Hannover (Alemanha), presente o então presidente Fernando
Henrique Cardoso. Para animar a
festa, foi arrebanhado um grupo de
frevo, naturalmente pernambucano. Enquanto esperavam a vez de
atuar, tiritavam de frio nos bastidores, vestidos com as roupas relativamente sumárias exigidas para o
espetáculo.
Quando entraram em ação, mostraram a alegria de praxe. Pensei
comigo, sinceramente condoído:
tão pobrezinhos, mas tão alegres.
Não consegui impedir que a memória voltasse a essa cena ao ler anteontem a reportagem em que Larissa Guimarães relata que, mesmo
com os benefícios do Bolsa Família,
a renda das famílias no Norte e no
Nordeste não consegue ultrapassar
a linha de pobreza.
Linha, aliás, estabelecida em
R$ 70, o que torna mais justo chamá-la de linha da miséria.
Não obstante tal nudez de rendimento, as famílias do Norte e do
Nordeste estão tão alegrinhas que
transformaram Luiz Inácio Lula da
Silva, cuja imagem está colada ao
Bolsa Família, em uma espécie de
Padim Ciço dos novos tempos.
Repito, porque os hidrófobos e
debiloides do lulo-petismo não
conseguem pensar, que não se trata de ser contra o Bolsa Família.
Trata-se, pura e simplesmente, de
reconhecer o óbvio, como o faz a reportagem de Larissa: por muito necessário que seja, por avanços que
de fato traz, não basta nem para tirar os beneficiários da pobreza
quanto mais para proporcionar
uma mudança estrutural.
Ah, essa situação torna ainda
mais patética a afirmação que gente do governo faz -e analistas distraídos ou de má-fé reproduzem
mecanicamente- de que está havendo queda da desigualdade no
Brasil. Como, se o Bolsa Família leva algo em torno de 0,4% do PIB e o
pagamento dos juros ao andar de
cima consome oito vezes isso (3,3%
do PIB)?
crossi@uol.com.br
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