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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

Me engana que eu gosto

BRASÍLIA - Primeiro, a França avisou ao Brasil que um avião militar descera em solo brasileiro "para reabastecimento". O pouso, aliás, tinha sido três dias antes.
Depois, quando a história começou a ficar cabeluda, a França disse que, tá bem, não era reabastecimento. Mas a missão era "humanitária".
Agora, depois de dois pedidos formais de explicação, o chanceler Dominique de Villepin dá a última versão em nota oficial e em telefonema para o seu correspondente, Celso Amorim: "missão médica".
Tudo indica, porém, que a tripulação do avião militar era toda de órgãos de inteligência da França e que a operação era política: resgatar em solo brasileiro uma ex-senadora de dupla nacionalidade (colombiana e francesa) sequestrada pelas Farc.
A França mentiu uma vez, e o Brasil acreditou. A França mentiu a segunda vez, e o Brasil acreditou de novo. A França continua mentindo, e o Brasil continua fingindo que acredita. De duas, uma: 1) o governo francês tratou o Brasil como "terra de ninguém" e os ministros como trouxas; 2) ou tudo foi um acerto por baixo do pano, rompido depois que a Polícia Federal descobriu o avião e a coisa foi parar na imprensa, deixando o Brasil mal com a Colômbia.
O fato é que o governo claudica na economia, no social, nas reformas, mas todo mundo dá de barato que a área externa está esplêndida. Esta certeza pode ser minada com a frágil versão do avião francês, com o adiamento de última hora da viagem à África -"prioridade do governo"- e até com simples erros burocráticos, como deixar o primeiro-ministro de Moçambique, Pascoal Mocumbi, a ver navios em Cumbica. Esquecido pelo Itamaraty, teve de enfrentar malas e alfândega.
Há aviões, adiamentos e malas demais na política externa -a área de excelência do governo Lula.


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