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Democracia em Cuba
Ditadura na ilha ensaia transição e o ideal é que o regime se democratize logo; atitude revanchista dos EUA deve ser evitada
PELAS POUCAS informações
disponíveis, é cedo para
dar por encerrados a era
Fidel Castro e o regime
cubano. Mas, mesmo que o ditador se recupere e retome o posto,
o inédito fato de o poder ter sido
transferido a seu meio-irmão
Raúl Castro indica que a ilha se
prepara para uma transição.
O desejável é que chegue logo a
um estado de plenas liberdades
democráticas. É para a consecução desse objetivo que deveria
trabalhar a diplomacia brasileira, dentro dos limites do não-intervencionismo que a caracteriza. Os desafios, contudo, não são
poucos nem triviais.
Raúl Castro é uma incógnita.
De concreto, sabe-se que não
possui o carisma do irmão, a
quem tem servido lealmente por
quase meio século. A mitologia
revolucionária o descreve como
um linha-dura, responsável pelo
fuzilamento de dezenas de partidários do ditador até 1959, Fulgencio Batista -apenas o prólogo da política de eliminação sistemática de adversários que o regime socialista adotaria ao longo
das décadas seguintes.
O mais provável, porém, é que,
no poder, Raúl Castro não se revele nem um linha-dura nem um
grande reformador. Ao que tudo
indica, procurará seguir os passos do irmão, mantendo o regime fechado. Só que tentar não é
sinônimo de conseguir.
É possível que Washington
tente aproveitar-se de uma eventual sucessão em Cuba para derrubar o regime. Essa pode não
ser a melhor estratégia para levar a democracia à ilha.
Uma transição democrática
negociada parece uma solução
melhor e menos traumática. A
economia cubana vai mal, e acenar, por exemplo, com o fim do
bloqueio comercial imposto pelos Estados Unidos tende a ser
um método mais eficaz para arrancar concessões das autoridades comunistas do que exibições
de força ou ameaças veladas.
O principal obstáculo a essa estratégia são as fortes tintas ideológicas com as quais Washington
trata Cuba. Esse viés é dado principalmente pela influência da comunidade de emigrados cubanos
na Flórida, muitos dos quais gostariam de fuzilar os Castro e todos os que um dia os apoiaram.
É aí que tem de atuar a diplomacia brasileira, ao lado da de
outros países (notadamente a
União Européia, o Canadá e o
México). Devem concentrar esforços tanto para convencer as
autoridades cubanas a pactuar
uma abertura política como para
evitar que a Casa Branca ponha
em marcha uma plataforma de
vingança contra os sucessores de
Castro. O ódio dos cubano-americanos, ainda que justificável na
esfera privada, não deveria dar o
tom da política norte-americana
para a ilha em um contexto de
transição democrática.
Infelizmente, o histórico recente do Itamaraty em relação a
Cuba é ruim. Desde que Luiz
Inácio Lula da Silva assumiu a
Presidência, a diplomacia limitou-se a fazer rapapés ao dirigente caribenho, sem nem mesmo
censurá-lo pelas violações aos
direitos humanos. Se quiser recuperar credibilidade e fortalecer-se como mediador numa
eventual transição cubana, o
Brasil precisa desde já emitir sinais de que caminha para posição de maior desengajamento.
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