São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006

Próximo Texto | Índice

Democracia em Cuba

Ditadura na ilha ensaia transição e o ideal é que o regime se democratize logo; atitude revanchista dos EUA deve ser evitada

PELAS POUCAS informações disponíveis, é cedo para dar por encerrados a era Fidel Castro e o regime cubano. Mas, mesmo que o ditador se recupere e retome o posto, o inédito fato de o poder ter sido transferido a seu meio-irmão Raúl Castro indica que a ilha se prepara para uma transição.
O desejável é que chegue logo a um estado de plenas liberdades democráticas. É para a consecução desse objetivo que deveria trabalhar a diplomacia brasileira, dentro dos limites do não-intervencionismo que a caracteriza. Os desafios, contudo, não são poucos nem triviais.
Raúl Castro é uma incógnita. De concreto, sabe-se que não possui o carisma do irmão, a quem tem servido lealmente por quase meio século. A mitologia revolucionária o descreve como um linha-dura, responsável pelo fuzilamento de dezenas de partidários do ditador até 1959, Fulgencio Batista -apenas o prólogo da política de eliminação sistemática de adversários que o regime socialista adotaria ao longo das décadas seguintes.
O mais provável, porém, é que, no poder, Raúl Castro não se revele nem um linha-dura nem um grande reformador. Ao que tudo indica, procurará seguir os passos do irmão, mantendo o regime fechado. Só que tentar não é sinônimo de conseguir.
É possível que Washington tente aproveitar-se de uma eventual sucessão em Cuba para derrubar o regime. Essa pode não ser a melhor estratégia para levar a democracia à ilha.
Uma transição democrática negociada parece uma solução melhor e menos traumática. A economia cubana vai mal, e acenar, por exemplo, com o fim do bloqueio comercial imposto pelos Estados Unidos tende a ser um método mais eficaz para arrancar concessões das autoridades comunistas do que exibições de força ou ameaças veladas.
O principal obstáculo a essa estratégia são as fortes tintas ideológicas com as quais Washington trata Cuba. Esse viés é dado principalmente pela influência da comunidade de emigrados cubanos na Flórida, muitos dos quais gostariam de fuzilar os Castro e todos os que um dia os apoiaram.
É aí que tem de atuar a diplomacia brasileira, ao lado da de outros países (notadamente a União Européia, o Canadá e o México). Devem concentrar esforços tanto para convencer as autoridades cubanas a pactuar uma abertura política como para evitar que a Casa Branca ponha em marcha uma plataforma de vingança contra os sucessores de Castro. O ódio dos cubano-americanos, ainda que justificável na esfera privada, não deveria dar o tom da política norte-americana para a ilha em um contexto de transição democrática.
Infelizmente, o histórico recente do Itamaraty em relação a Cuba é ruim. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência, a diplomacia limitou-se a fazer rapapés ao dirigente caribenho, sem nem mesmo censurá-lo pelas violações aos direitos humanos. Se quiser recuperar credibilidade e fortalecer-se como mediador numa eventual transição cubana, o Brasil precisa desde já emitir sinais de que caminha para posição de maior desengajamento.


Próximo Texto: Editoriais: Dialética da bravata

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.