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TENDÊNCIAS/DEBATES
O reencontro tardio de Lula com Getúlio
RICARDO ANTUNES
No plano sindical, o lulismo se reencontrou com Getúlio. Vamos ver quais centrais vão recusar mais esse canto de sereia do neopeleguismo
LULA AFLOROU no sindicalismo
como criação da estrutura sindical getulista. Tornou-se dirigente
dos metalúrgicos por contingência.
Em pouco tempo se converteu em seu
antípoda: liderou greves, confrontou
o sindicalismo oficial, deixou aturdido o peleguismo, ajudando a virar
uma página do velho sindicalismo.
Mas a história dá muitas voltas: no
poder, não foram poucas as desconstruções de Lula. Em seu primeiro
mandato, taxou os aposentados e privatizou a Previdência pública. Abriu
os fundos de pensão para a volúpia da
cúpula sindical ávida por mais recursos. Ameaçou desmontar a legislação
trabalhista, medida que só foi evitada
pela derrama causada pelo mensalão.
Mas voltou com fôlego em seu segundo mandato. Seu governo prepara
dois projetos que selam seu reencontro com o velho getulismo sindical.
O primeiro, resultado de negociações em curso com as centrais sindicais, amplia o nefasto imposto sindical: cada uma delas vai abocanhar
10% do velho "imposto" que todos os
trabalhadores são obrigados a pagar,
quer concordem ou não.
Do total dos recursos arrecadados,
ficam 60% para os sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações, 10% para a "conta especial
emprego e salário" do governo, além
de 10% para as centrais sindicais, conferindo nova vida ao mostrengo criado por Getúlio Vargas no auge do Estado Novo. Alguns cálculos falam em
mais de R$ 120 milhões, volume capaz de aumentar em muitas vezes o
orçamento das centrais legalizadas
pela mesma medida.
Enfeixa-se, então, o processo de
cooptação e estatização dos sindicatos: a busca da aparente "independência" financeira custará a perda cabal da autonomia sindical. Sela-se o
caminho da "servidão sindical voluntária", iniciada por Getúlio e concluída pelo Inácio.
Se isso não bastasse, o governo Lula
está preparando outra medida que
restringe duramente o direito de greve dos funcionários públicos. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já fez várias referências ao perfil da proposta que está sendo urdida
nos gabinetes ministeriais.
Para que se tenha uma idéia do tamanho da investida, vale recordar
que a Câmara dos Deputados já preparou um substitutivo ao projeto de
lei nš 4.497, que trata da temática.
Ele determina que, uma vez aprovada a greve, os sindicatos ou comissões de negociação deverão comunicá-la com antecedência mínima de 72
horas, além de garantir a presença de
pelo menos 45% dos servidores no
trabalho. Ocorrendo "abuso", o sindicato ficará sujeito a multa de até R$
30 mil por dia de paralisação. E mais:
quando não houver entidade sindical
representativa dos servidores públicos, a assembléia geral deverá contar
com a presença de pelo menos 50%
dos integrantes da categoria.
O absurdo aqui é ilimitado: nos áureos tempos das majestosas assembléias dos metalúrgicos do ABC, no
estádio de Vila Euclides, presenciávamos até 60 mil participantes. Se esse
projeto de hoje fosse vigente àquela
época, tais assembléias teriam que
reunir mais de 120 mil participantes
para serem consideradas legais.
Ainda que se trate de exemplo do
ramo privado, a similitude é suficiente para mostrar o despropósito. Há
aqui alguma ressonância da famosa
lei antigreve de Margaret Thatcher, a
"dama de ferro" do longo inverno do
sindicalismo inglês.
Se na economia o lulismo foi antigetulista, convivendo bem com a
pragmática financista dominante, no
plano sindical, se reencontrou com
Getúlio Vargas.
Aliás, tudo no lulismo parece exacerbado: a regressão da economia, a
degradação do setor público, com a
recente proposta de "celetização" e
conseqüente precarização dos trabalhadores dos hospitais públicos. Ou
ainda a soberba do líder, que quer
"magnetizar" as massas mais vilipendiadas e que não conseguiu entender
as trepidantes vaias que recebeu no
Rio de Janeiro, na abertura do Pan,
quando imaginou poder usar o palanque esportivo para viver mais um momento de regozijo. Acabou recebendo
o vilipêndio e ficou no prejuízo. E as
vaias continuam ressoando mesmo
em seus giros pelo Nordeste, dada sua
fuga do Sul e Sudeste.
Vamos ver, então, quais centrais
vão publicamente recusar mais esse
canto de sereia do neopeleguismo lulista?
RICARDO LUIZ COLTRO ANTUNES, 54, é professor titular de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
e autor, entre outros livros, de "O Que É o Sindicalismo"
(Brasiliense) e "O Novo Sindicalismo no Brasil" (Pontes).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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