São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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Editoriais

A vez do Mercosul

Bloco deveria enfrentar problemas internos que frustram livre comércio e flexibilizar regra que dificulta acordo externo

ENQUANTO ficar congelada a agenda da liberalização global de tarifas, que acaba de sofrer novo revés em Genebra, a política comercial do Brasil estará voltada para a consecução de acordos menos ambiciosos. O tema está incluído na pauta da visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina, que começa hoje.
A divergência que colocou em lados opostos as chancelarias dos dois países na Suíça, se não for tratada explicitamente no encontro com Cristina Kirchner, permanecerá no subtexto. O fato de o Itamaraty ter endossado proposta de abertura industrial rejeitada pela Argentina não foi o responsável pelo mais recente fiasco da Rodada Doha. Ainda assim, deixa no ar algumas dúvidas acerca do grau de convergência entre as duas nações nas negociações internacionais que virão.
O Mercosul, como se sabe, tem status oficial de união aduaneira: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai deveriam comportar-se como uma só nação nas negociações sobre tarifas comerciais com outros países ou blocos; o imposto de importação sobre cada bem deveria ser único na região. Na prática, como também se sabe, as tensões entre parceiros e as exceções à regra têm sido tantas e tão constantes que desfiguram aquele objetivo formal.
A Argentina reclama dos duradouros déficits comerciais que mantém nas transações com o Brasil. Também teme, como ficou claro em Genebra, pela perda de competitividade de seu parque industrial num ambiente global cada vez mais aberto. O país vizinho se ressente, tudo somado, de uma carência crônica de investimentos produtivos na indústria lá instalada.
Esse é um problema que precisa ser enfrentado no Mercosul. Há outras regiões do bloco que merecem atenção especial de uma política regional voltada para estimular investimentos produtivos. Ela depende, contudo, de os países membros abrirem mão de malabarismos na política econômica -como os sustentados ao longo da gestão de Néstor Kirchner, que não tardaram a produzir estragos- em benefício de procedimentos e regras que inspirem confiança nos investidores empresariais.
A agenda do bloco deveria estar voltada, nos próximos anos, a um programa de desenvolvimento interno. Trata-se de superar entraves que, na política, no acervo institucional e na infra-estrutura, impedem que o Mercosul concretize seu objetivo básico, o de comportar-se como área de livre comércio -em que mercadorias, serviços e investimentos circulam com o mesmo grau de segurança, e sem ônus tarifário, de um país a outro.
Flexibilizar a regra da união aduaneira, conferindo mais liberdade aos países para que negociem acordos comerciais fora do Mercosul, também seria um ajuste realista. Combinadas, as duas ações reequilibrariam o bloco. Propiciariam margem para que os países divergissem em questões externas -as mais difíceis de equacionar no médio prazo em qualquer projeto de associação entre nações- enquanto concentrariam esforços e recursos em temas internos para os quais a convergência já tarda.


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