São Paulo, segunda-feira, 03 de setembro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O FMI trocado em miúdos

ABRAM SZAJMAN

Se você pensa que o FMI é um bicho de sete cabeças, errou por pouco. É na verdade um bicho de cinco cabeças: EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido. Embora tenha 182 membros, 177 não contam para nada, pois não vale o princípio de "uma nação, um voto". O que vale é "US$ 1 trilhão, um voto". Ou seja, o voto no Comitê Diretor Executivo, que representa os membros, depende do aporte de capital de cada país: quem tem mais, pode mais.
Os cinco citados possuem 40% dos votos -os 23 países africanos somam, entre todos, 1%. E os EUA sozinhos possuem 17% da influência nas decisões -como as principais decisões exigem uma maioria qualificada de 85%, só os EUA têm poder de veto. A instituição internacional que é mesmo um bicho de sete cabeças é o Banco Mundial, irmão gêmeo do FMI. De seus 180 países-membros, 173 recebem ordens de apenas sete -os que possuem 45% das ações do banco e não por acaso são os do G-7, o clube dos países mais ricos do mundo: EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e Itália.
Ao final da Segunda Guerra Mundial foram criadas, pelo acordo de Bretton Woods, essas duas instituições financeiras, com o objetivo de regular as relações econômicas internacionais, então caracterizadas por um sistema de câmbio fixo. Cada país signatário do acordo tinha a obrigação de assegurar a conversibilidade da própria moeda e defender a paridade expressa em ouro ou em dólares, com margem de flutuação de 1%.
Pouca gente sabe, mas, antes de repartir ordens para o mundo inteiro e decidir o destino humano nos diferentes continentes do planeta, o FMI era uma discreta instituição que devia controlar e gerir esse sistema de câmbio fixo, então considerado a alavanca para o desenvolvimento do comércio internacional. Como segunda função, cabia ao FMI conceder financiamentos de curto prazo aos países-membros, com déficit temporário em seus respectivos balanços de pagamentos.
Em 1971, o presidente Nixon pôs fim à conversibilidade do dólar em ouro. Dois anos depois, a flutuação das moedas se generalizou e o FMI perdeu o que era sua principal função. Nos anos 80, quando explodiu a crise da dívida externa dos países periféricos, entre os quais o Brasil, o FMI assumiu a função que exerce até hoje, a de reestruturar as economias endividadas, por meio de programas de ajustamento estrutural, cuja única finalidade é assegurar aos credores que os débitos serão pagos.


O Brasil tem peso mundial político e econômico; deve fazer valer esse peso para que o planeta seja uma casa solidária
As crises financeiras dos anos 90 (México, Tailândia, Indonésia, Coréia, Rússia e Brasil) foram determinadas por empréstimos de credores privados, o que oficializou o FMI como tábua de salvação dos investidores, entre os quais muitos fundos de pensão americanos.
Desde então, o FMI abandonou qualquer pretensão de neutralidade. Apesar de manter sua aura tecnocrata, condicionou seus empréstimos à total liberalização do mercado interno do país em causa, atuando como ponta de lança da terceira instituição econômica mundial, a OMC (Organização Mundial do Comércio). Impõe, assim, políticas que asseguram, em primeiro lugar, o pagamento dos juros. É por essa razão que o FMI exige do governo brasileiro, por exemplo, o superávit fiscal primário, que só é obtido pela conjugação de dois fatores nefastos: o aumento da carga tributária (que saltou, nos últimos sete anos, de 25% do PIB para 34%) e o corte de despesas públicas.
O resultado global dessa globalização subalterna e nociva aos interesses dos povos e dos países subdesenvolvidos foi que, de 1960 aos dias de hoje, o produto bruto mundial dobrou, mas o fosso entre os países ricos e pobres triplicou, de acordo com o jornal "Le Monde Diplomatique" E a relação entre a renda dos 20% mais ricos do mundo e os 20% mais pobres, que era de 1 para 30, em 1960, passou para 1 para 74, em 1997.
Hoje estamos vendo a Argentina, nosso principal parceiro no outrora promissor Mercosul, ser esfolada e humilhada perante a comunidade internacional. A Argentina fez tudo e mais um pouco do que o FMI mandou, mas mesmo assim está reduzida à condição de pedinte de esmolas. O papel de seus ministros e funcionários em Washington é desesperado e patético, enquanto a maior parte do seu povo, também no desespero do desemprego sem saída, vê apenas que a Terra gira e gira, indiferente, como no tango que cantava Gardel.
No Brasil, para evitar essa tragédia, é preciso que toda a sociedade e todos os partidos políticos se unam para elaborar um projeto nacional, que represente um grito de soberania e independência. O Brasil tem peso na política e na economia mundiais. Deve fazer valer esse peso para que o nosso planeta, muito mais que um mercado global, seja sobretudo uma casa solidária, na defesa do meio ambiente, da paz e da vida.


Abram Szajman, 62, empresário, é presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e presidente do Conselho de Administração do Grupo VR.


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