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TENDÊNCIAS/DEBATES
O FMI trocado em miúdos
ABRAM SZAJMAN
Se você pensa que o FMI é um bicho
de sete cabeças, errou por pouco. É
na verdade um bicho de cinco cabeças:
EUA, Japão, Alemanha, França e Reino
Unido. Embora tenha 182 membros,
177 não contam para nada, pois não vale
o princípio de "uma nação, um voto". O
que vale é "US$ 1 trilhão, um voto". Ou
seja, o voto no Comitê Diretor Executivo, que representa os membros, depende do aporte de capital de cada país:
quem tem mais, pode mais.
Os cinco citados possuem 40% dos
votos -os 23 países africanos somam,
entre todos, 1%. E os EUA sozinhos possuem 17% da influência nas decisões
-como as principais decisões exigem
uma maioria qualificada de 85%, só os
EUA têm poder de veto. A instituição
internacional que é mesmo um bicho de
sete cabeças é o Banco Mundial, irmão
gêmeo do FMI. De seus 180 países-membros, 173 recebem ordens de apenas sete -os que possuem 45% das
ações do banco e não por acaso são os
do G-7, o clube dos países mais ricos do
mundo: EUA, Japão, Alemanha, Reino
Unido, França, Canadá e Itália.
Ao final da Segunda Guerra Mundial
foram criadas, pelo acordo de Bretton
Woods, essas duas instituições financeiras, com o objetivo de regular as relações econômicas internacionais, então
caracterizadas por um sistema de câmbio fixo. Cada país signatário do acordo
tinha a obrigação de assegurar a conversibilidade da própria moeda e defender
a paridade expressa em ouro ou em dólares, com margem de flutuação de 1%.
Pouca gente sabe, mas, antes de repartir ordens para o mundo inteiro e decidir o destino humano nos diferentes
continentes do planeta, o FMI era uma
discreta instituição que devia controlar
e gerir esse sistema de câmbio fixo, então considerado a alavanca para o desenvolvimento do comércio internacional. Como segunda função, cabia ao
FMI conceder financiamentos de curto
prazo aos países-membros, com déficit
temporário em seus respectivos balanços de pagamentos.
Em 1971, o presidente Nixon pôs fim à
conversibilidade do dólar em ouro.
Dois anos depois, a flutuação das moedas se generalizou e o FMI perdeu o que
era sua principal função. Nos anos 80,
quando explodiu a crise da dívida externa dos países periféricos, entre os quais
o Brasil, o FMI assumiu a função que
exerce até hoje, a de reestruturar as economias endividadas, por meio de programas de ajustamento estrutural, cuja
única finalidade é assegurar aos credores que os débitos serão pagos.
O Brasil tem peso mundial
político e econômico;
deve fazer valer esse
peso para que o planeta
seja uma casa solidária
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As crises financeiras dos anos 90 (México, Tailândia, Indonésia, Coréia, Rússia e Brasil) foram determinadas por
empréstimos de credores privados, o
que oficializou o FMI como tábua de
salvação dos investidores, entre os quais
muitos fundos de pensão americanos.
Desde então, o FMI abandonou qualquer pretensão de neutralidade. Apesar
de manter sua aura tecnocrata, condicionou seus empréstimos à total liberalização do mercado interno do país em
causa, atuando como ponta de lança da
terceira instituição econômica mundial,
a OMC (Organização Mundial do Comércio). Impõe, assim, políticas que asseguram, em primeiro lugar, o pagamento dos juros. É por essa razão que o
FMI exige do governo brasileiro, por
exemplo, o superávit fiscal primário,
que só é obtido pela conjugação de dois
fatores nefastos: o aumento da carga tributária (que saltou, nos últimos sete
anos, de 25% do PIB para 34%) e o corte
de despesas públicas.
O resultado global dessa globalização
subalterna e nociva aos interesses dos
povos e dos países subdesenvolvidos foi
que, de 1960 aos dias de hoje, o produto
bruto mundial dobrou, mas o fosso entre os países ricos e pobres triplicou, de
acordo com o jornal "Le Monde Diplomatique" E a relação entre a renda dos
20% mais ricos do mundo e os 20%
mais pobres, que era de 1 para 30, em
1960, passou para 1 para 74, em 1997.
Hoje estamos vendo a Argentina, nosso principal parceiro no outrora promissor Mercosul, ser esfolada e humilhada perante a comunidade internacional. A Argentina fez tudo e mais um
pouco do que o FMI mandou, mas mesmo assim está reduzida à condição de
pedinte de esmolas. O papel de seus ministros e funcionários em Washington é
desesperado e patético, enquanto a
maior parte do seu povo, também no
desespero do desemprego sem saída, vê
apenas que a Terra gira e gira, indiferente, como no tango que cantava Gardel.
No Brasil, para evitar essa tragédia, é
preciso que toda a sociedade e todos os
partidos políticos se unam para elaborar um projeto nacional, que represente
um grito de soberania e independência.
O Brasil tem peso na política e na economia mundiais. Deve fazer valer esse peso para que o nosso planeta, muito mais
que um mercado global, seja sobretudo
uma casa solidária, na defesa do meio
ambiente, da paz e da vida.
Abram Szajman, 62, empresário, é presidente
da Federação e do Centro do Comércio do Estado
de São Paulo e presidente do Conselho de Administração do Grupo VR.
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