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GUILHERME BARROS
O caminho da volta
Numa atitude até compreensível,
o presidente Fernando Henrique
Cardoso decidiu partir em defesa do
seu governo contra os ataques que
vem sofrendo na campanha política.
A decisão, ainda que justificável, já
que o candidato da situação não se
mostra nem um pouco disposto a fazer o papel de advogado do governo
FHC, pode representar riscos.
FHC chamou de "manipulação demagógica de cifras sociais" as críticas
que vem sofrendo. E citou como avanços, entre outros, a queda do analfabetismo de 19% para 13% em nove anos
e a redução da mortalidade infantil de
47,8 para 29,6 por mil nascidos vivos.
A preocupação de FHC com a história de seu governo, que começará a ser
escrita depois de ele descer a rampa do
Planalto, é mais do que procedente. A
partir de 1º de janeiro de 2003, ele perderá o palco privilegiado de que hoje
dispõe como chefe da nação.
O grande problema é que há muitas
dúvidas sobre os avanços sociais nesses anos do governo FHC. Houve, certamente, melhorias nas áreas de educação e saúde com o fim da inflação,
mas esses avanços já estavam ocorrendo. O processo de urbanização e de
queda da taxa de natalidade, por si só,
já garantia parte dessas melhoras nos
indicadores sociais.
Mas não deverão ser esses, certamente, os únicos -e principais- indicadores que os historiadores irão levar em conta para avaliar a era FHC.
Como explicar, por exemplo, o aumento do desemprego de 5% para 7%
-em números redondos-, se a política do governo de privatização e de
atração de recursos externos teve como um dos pilares a geração de novos
empregos? Como explicar também os
índices medíocres de crescimento?
Ou como explicar o racionamento, a
política de câmbio fixo durante todo o
primeiro governo e o aumento da dívida pública de 30% para 60% do PIB?
Dizer que a dívida aumentou pelo fato
de o governo ter reconhecido os esqueletos que estavam no armário não
é suficiente. Os esqueletos representaram 16% do aumento. A maior parte
desse crescimento deve mesmo ser
debitada à política de juros altos.
A dívida social ainda é imensa. A
concentração de renda continua como uma das piores do mundo.
Só mesmo essa preocupação com a
sua imagem pode explicar a medida
provisória da minirreforma tributária
decretada por Fernando Henrique no
apagar das luzes do governo.
Não deixa de ser curioso que FHC
sempre tenha acusado o Congresso de
ser o responsável pelo fato de a reforma tributária nunca ter saído do papel. O Congresso continuou sem
aprovar a reforma, e, mesmo assim,
ela saiu, ainda que não se saiba exatamente quais serão seus efeitos.
No afã de entrar para a galeria dos
grandes presidentes, Fernando Henrique precisa tomar cuidado para, na
reta final do seu governo, não cometer
erros com sua caneta.
O papel de FHC como de seu próprio advogado irá adiantar muito
pouco. No máximo, ele irá dar uma
versão para o seu governo -certamente a mais embaçada. Quando os
governantes se preocupam muito
com sua defesa, é sinal de que podem
já estar querendo deixar o terreno
bem pavimentado para a sua volta.
Guilherme Barros é editor do "Painel S.A.". Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às
terças-feiras nesta coluna.
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