São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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GUILHERME BARROS

O caminho da volta

Numa atitude até compreensível, o presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu partir em defesa do seu governo contra os ataques que vem sofrendo na campanha política.
A decisão, ainda que justificável, já que o candidato da situação não se mostra nem um pouco disposto a fazer o papel de advogado do governo FHC, pode representar riscos.
FHC chamou de "manipulação demagógica de cifras sociais" as críticas que vem sofrendo. E citou como avanços, entre outros, a queda do analfabetismo de 19% para 13% em nove anos e a redução da mortalidade infantil de 47,8 para 29,6 por mil nascidos vivos.
A preocupação de FHC com a história de seu governo, que começará a ser escrita depois de ele descer a rampa do Planalto, é mais do que procedente. A partir de 1º de janeiro de 2003, ele perderá o palco privilegiado de que hoje dispõe como chefe da nação.
O grande problema é que há muitas dúvidas sobre os avanços sociais nesses anos do governo FHC. Houve, certamente, melhorias nas áreas de educação e saúde com o fim da inflação, mas esses avanços já estavam ocorrendo. O processo de urbanização e de queda da taxa de natalidade, por si só, já garantia parte dessas melhoras nos indicadores sociais.
Mas não deverão ser esses, certamente, os únicos -e principais- indicadores que os historiadores irão levar em conta para avaliar a era FHC.
Como explicar, por exemplo, o aumento do desemprego de 5% para 7% -em números redondos-, se a política do governo de privatização e de atração de recursos externos teve como um dos pilares a geração de novos empregos? Como explicar também os índices medíocres de crescimento?
Ou como explicar o racionamento, a política de câmbio fixo durante todo o primeiro governo e o aumento da dívida pública de 30% para 60% do PIB? Dizer que a dívida aumentou pelo fato de o governo ter reconhecido os esqueletos que estavam no armário não é suficiente. Os esqueletos representaram 16% do aumento. A maior parte desse crescimento deve mesmo ser debitada à política de juros altos.
A dívida social ainda é imensa. A concentração de renda continua como uma das piores do mundo.
Só mesmo essa preocupação com a sua imagem pode explicar a medida provisória da minirreforma tributária decretada por Fernando Henrique no apagar das luzes do governo.
Não deixa de ser curioso que FHC sempre tenha acusado o Congresso de ser o responsável pelo fato de a reforma tributária nunca ter saído do papel. O Congresso continuou sem aprovar a reforma, e, mesmo assim, ela saiu, ainda que não se saiba exatamente quais serão seus efeitos.
No afã de entrar para a galeria dos grandes presidentes, Fernando Henrique precisa tomar cuidado para, na reta final do seu governo, não cometer erros com sua caneta.
O papel de FHC como de seu próprio advogado irá adiantar muito pouco. No máximo, ele irá dar uma versão para o seu governo -certamente a mais embaçada. Quando os governantes se preocupam muito com sua defesa, é sinal de que podem já estar querendo deixar o terreno bem pavimentado para a sua volta.


Guilherme Barros é editor do "Painel S.A.". Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.



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