São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Seguro contra especuladores

JAIME LERNER

Como todos os países modernos, temos uma economia de mercado, não uma sociedade de mercado. Os brasileiros não são commodities. Jamais serão massa passiva neste vasto cassino de baralhos marcados e roletas viciadas.
Estamos assistindo, há sete semanas, a um ataque especulativo contra a nossa moeda, o real. Nesse período, a estratégia dos atacantes ficou clara. O lance maior é ignorar indicadores positivos da nossa economia. Tarefa que não foi fácil para os interessados em derrubar o real. Tiveram que esconder números confiáveis que mostram o cumprimento das metas fiscais, a diminuição do desemprego e o superávit da balança comercial. Preferiam apoiar análises (na maioria dos casos vindas de analistas não identificados) que magnificavam aspectos não consolidados do processo eleitoral.
Como amparar uma recomendação de que o Brasil não é confiável, baseada em pesquisas eleitorais realizadas antes mesmo do início da propaganda gratuita no rádio e na TV? Basta observar o que tem acontecido nas últimas eleições para avaliar o grau de "inconfiabilidade" de análises que não consideram a velocidade do processo eleitoral. Uma pesquisa é apenas um retrato instantâneo, que não sobrevive ao tempo. Uma imagem que sofrerá modificações quando os mais de 100 milhões de eleitores puderem tomar decisões baseadas em opções claras quanto às políticas públicas oferecidas.
Essas agências que publicam taxas de risco não passam de instrumentos nas mãos dos interessados em influir sobre investidores internacionais. Uma bem criada onda de desconfiança resulta em mudanças de posições: vendas de ativos mobiliários em um país e compra dos mesmos ativos em outro país.
Não é preciso ser um secreto analista da Standard & Poor's, Moody's ou Fitch para saber que, no mundo moderno, ninguém guarda mais dinheiro embaixo do colchão. E é nessa troca de posições que os intermediários ganham comissões, na volta e na ida do dinheiro. Para malográ-los, nada melhor que uma política pública de transparência quanto aos nossos indicadores econômicos. E isso tem sido feito com eficiência pelo presidente e sua equipe econômica nas últimas semanas.
A desvalorização da moeda nacional preocupa e muito por suas consequências imediatas. A primeira faixa de renda a ser atingida é a que inclui dezenas de milhões de brasileiros: os que ganham mensalmente até três salários mínimos. Esta faixa é de consumo reduzido, fundado em cesta que tem como principais itens alimentos e transporte.
Muitos alimentos essenciais, de grande peso no consumo mensal, têm insumos importados. O pão, o macarrão, as bolachas terão custos aumentados com a alta do dólar. Dois terços do trigo usado nesses produtos é importado. O gás para cozinhar também entra na lista, pois derivados de petróleo sofrem influência de preços internacionais na formação de seu preço nacional. Pelo mesmo motivo, o transporte coletivo pode sofrer aumentos. E a faixa dos que ganham até três salários mínimos, por ser pouco especializada, tem dificuldade em ver seus salários reajustados para manter o poder de compra.


Não venham com armadilhas centradas em falsos becos sem saída. Temos pela frente largas avenidas


Para reduzir pressões especulativas, é importante aumentar o grau de auto-suficiência. Para fazer isso é importante ter cautela. O preço da auto-suficiência não pode ser a criação de nichos econômicos cartoriais. A produção nacional deve visar metas de competitividade internacional. Para tanto é indispensável a eficiência operacional e investimentos em processos industriais modernos. Sem esquecer também que um grande trunfo é o fortalecimento do mercado interno. Meta indissoluvelmente ligada à melhoria dos indicadores de distribuição de renda e ao atendimento prioritário de políticas públicas que valorizem educação, saúde e emprego.
A auto-estima é nosso maior ativo. Não podemos viver manietados pelo medo e por crises artificialmente criadas. Alimentar ambos é dar munição a quem nos quer abater. O egoísmo e agressões despropositadas municiam os que apostam não em um país com 172 milhões de habitantes, 8,5 milhões de quilômetros quadrados, 8.000 km de costas oceânicas, rios com enorme potencial energético e incalculáveis reservas minerais, mas nos que preferem vender o derrotismo e semear o desencanto para colher lucros fáceis.
Precisamos alongar a coluna dorsal da nacionalidade. Não venham com armadilhas centradas em falsos becos sem saída. Temos pela frente largas avenidas. Meu voto, meu empenho é pelo "Brasil sempre". Estou na trincheira da defesa de meio milênio de história para garantirmos um futuro digno às novas gerações de brasileiros.


Jaime Lerner, 64, arquiteto e planejador urbano, é governador do Paraná, pelo PFL. Foi prefeito de Curitiba por três gestões (1971-75, 1979-83, 1989-92).



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