São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O assunto que falta

CELSO GIGLIO

A Constituição de 1988 aumentou de forma significativa a autonomia e as responsabilidades dos municípios. Desde então, os prefeitos têm contribuído (e muito) para o desenvolvimento do país, em especial nas áreas sociais, tais como saúde a educação, que vêm sendo progressivamente municipalizadas. A atuação da administração municipal também se faz sentir, muitas vezes de forma vigorosa, nos setores de segurança, habitação, transporte e saneamento básico.
Na educação, por exemplo, a melhora é nítida: o número de estudantes matriculados (na faixa entre 7 e 14 anos) atingiu 97% em 1999. No mesmo período, a aprovação e a escolaridade dos brasileiros aumentaram e a reprovação e o abandono diminuíram. Cerca de 50% dos alunos do ensino fundamental são atendidos pelas redes municipais, segundo o Fundef. Na saúde, a melhora de muitos índices (mortalidade infantil entre eles) e o incremento em vários programas se deveu, em grande parte, à atuação da administração pública municipal. Já na área da segurança pública, os municípios estão inovando ao assumir uma parcela de responsabilidade que, constitucionalmente, não lhes é atribuída.
Em 23 de novembro de 2000, os prefeitos da Grande São Paulo criaram o Fórum Metropolitano de Segurança Pública. Essa organização criou, juntamente com especialistas, representantes da sociedade civil e dos governos estadual paulista e federal, quatro grupos de estudo e desenvolvimento de projetos para ajudar a resolver o problema da violência.
Apesar disso, nem sempre os municípios são reconhecidos como importantes para o desenvolvimento do país. Muitas vezes são acusados de "vilões" da federação, a esfera que gasta muito, arrecada pouco e faz menos ainda. Trata-se de rematada tolice. Os 5.561 municípios respondem por apenas 4% de toda a dívida pública nacional e, num levantamento realizado pelo Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Pública), nota-se que o número de municípios endividados entre 1995 e 1998 foi reduzido de 4.525 (82,2% do total) para 3.058 (55,53%).
Com relação à Lei de Responsabilidade Fiscal, a postura dos prefeitos também tem sido exemplar: as despesas das prefeituras com pessoal em 2001 ficaram, em média, em 43,2% da receita, bem abaixo dos 60% estabelecidos pela legislação. Também é preciso recordar que no ano 2000, pela primeira vez, as prefeituras brasileiras apresentaram superávit primário (R$ 3,4 bilhões). Para dar uma idéia do que isso significa, em 1995 o déficit foi de R$ 19,3 bilhões.


As relações intergovernamentais são pautadas mais pela competitividade do que pela cooperação


Esses números extremamente favoráveis escondem uma dura realidade: os municípios têm cada vez mais responsabilidade, mas não estão recebendo recursos em volume suficiente. Por outro lado, têm o reconhecimento da opinião pública. Pesquisa nacional realizada pelo Ibope em 2001 mostra que os municípios são, na visão dos brasileiros, mais bem avaliados do que os Estados e a União no que se refere a quem investe melhor os recursos públicos (25%), quem presta os melhores serviços (37%), qual é mais importantes no dia-a-dia (65%) e quem deveria ficar com a maior parte da arrecadação (47%).
Essas dificuldades, em especial a desigual distribuição de recursos entre as três esferas, fizeram com que os municípios organizassem entidades, como a Associação Paulista de Municípios, que lutam há décadas por um maior espaço para os municípios e pelo aperfeiçoamento da gestão pública, único caminho para que o país possa crescer e solucionar as carências dos cidadãos brasileiros.
Por isso, é surpreendente que os municípios, com suas responsabilidades, conquistas e desafios, não consigam mais espaço no debate político. No plano de governo dos principais candidatos a presidente, por exemplo, quase nada se discute sobre o papel dos prefeitos na implantação das propostas que cada um tem para o país. Mesmo quando se trata de áreas em que as prefeituras atuam com maior intensidade, como saúde e educação, a menção à importância dos governos locais nos programas dos presidenciáveis é muito discreta, como se eles fossem meros e distantes coadjuvantes administrativos. A realidade, porém, mostra que são os prefeitos que colocam "a mão na massa".
O federalismo brasileiro tem evoluído, sem dúvida. Mas existe uma série enorme de providências que poderiam melhorar significativamente a nossa administração pública. As relações intergovernamentais, por exemplo, são pautadas mais pela competitividade do que pela cooperação. Discutir o papel dos municípios e os caminhos da Federação, implementando as mudanças necessárias, pode ser a maneira mais prática, eficiente e barata de começar a resolver nossos problemas.


Celso Giglio, 61, coordenador-geral do Fórum Metropolitano de Segurança Pública, é prefeito de Osasco (SP), pelo PSDB, e presidente da Associação Paulista de Municípios.



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