São Paulo, quarta-feira, 03 de outubro de 2007

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Erros em série

O inquérito da FAB que indiciou 5 controladores é interessante pelo que relata e pelo que mantém sob o manto do silêncio

PASSADO UM ANO do trágico choque entre o jato Legacy e o Boeing da Gol, que provocou a queda desta aeronave e a morte de 154 pessoas, a colunista Eliane Cantanhêde, desta Folha, teve acesso ao Inquérito Policial Militar (IPM) em que a Aeronáutica indiciou cinco controladores por "materialidade e indícios de autoria de crime". O IPM é uma peça duplamente interessante, pelo que relata e pelo que mantém sob o manto do silêncio.
Embora a Justiça Militar tenha rejeitado a denúncia contra os controladores, alegando fraqueza na imputação criminal, o IPM descreve com precisão 11 "fatores preponderantes" para o acidente. São erros básicos de procedimento cometidos pelos militares e pelos pilotos do Legacy. O inquérito se vale de termos como "displicência" e "demora excessiva" para qualificar a ação dos controladores. Em relação aos norte-americanos, usa a expressão "conduta omissiva".
Como costuma acontecer em acidentes dessa natureza, a tragédia foi determinada por uma sucessão de eventos, que inclui repetidas falhas de comunicação entre os envolvidos, não-observância do plano de vôo e problemas no rádio e no transponder.
O IPM tem o mérito de indicar uma atribuição de responsabilidades baseada em fatos, não em especulações ou preferências ideológicas. Nos dias que se sucederam ao desastre, uma espécie de histeria coletiva tomou conta de parte da opinião pública e de algumas autoridades policiais, que culpavam os norte-americanos por tudo.
O inquérito marca também uma mudança de atitude da própria Aeronáutica. Ainda que de modo oblíquo, a FAB agora admite que ocorreram falhas no sistema de controle aéreo.
É nesse ponto que certos silêncios do IPM se tornam eloqüentes. Não há referência à sobrecarga de trabalho dos controladores ou às suas deficiências de formação. Muitos deles não são capazes de manter uma conversação em inglês. A crer no advogado de defesa dos militares indiciados, um deles não estava qualificado para operar na função, mas foi obrigado a fazê-lo por "determinação superior".
O inquérito tampouco menciona a deterioração e a obsolescência de equipamentos do controle do espaço aéreo -razão dos famosos "buracos negros" de que tanto se falou ao longo dos últimos 12 meses.
Outro ponto "esquecido" é o da falta de investimentos. Embora o passageiro pague pesadas taxas de embarque que ajudam a constituir os fundos aeronáutico e aeroviário, destinados a promover a segurança do setor, essas verbas não são plenamente utilizadas. Elas são mantidas no caixa do governo para cumprir a meta de ajuste fiscal.
Talvez não caiba mesmo a um inquérito policial apontar causas estruturais ou que não tiveram relação imediata com o acidente, mas não há dúvida de que elas são importantíssimas quando se trata de discutir -e melhorar- a segurança aérea do país. É nisso que as autoridades aeronáuticas devem centrar esforços.


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