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Erros em série
O inquérito da FAB que indiciou 5 controladores é interessante pelo que relata e pelo que mantém sob o manto do silêncio
PASSADO UM ANO do trágico
choque entre o jato Legacy e o Boeing da Gol,
que provocou a queda
desta aeronave e a morte de 154
pessoas, a colunista Eliane Cantanhêde, desta Folha, teve acesso ao Inquérito Policial Militar
(IPM) em que a Aeronáutica indiciou cinco controladores por
"materialidade e indícios de autoria de crime". O IPM é uma peça duplamente interessante, pelo que relata e pelo que mantém
sob o manto do silêncio.
Embora a Justiça Militar tenha rejeitado a denúncia contra
os controladores, alegando fraqueza na imputação criminal, o
IPM descreve com precisão 11
"fatores preponderantes" para o
acidente. São erros básicos de
procedimento cometidos pelos
militares e pelos pilotos do Legacy. O inquérito se vale de termos como "displicência" e "demora excessiva" para qualificar a
ação dos controladores. Em relação aos norte-americanos, usa a
expressão "conduta omissiva".
Como costuma acontecer em
acidentes dessa natureza, a tragédia foi determinada por uma
sucessão de eventos, que inclui
repetidas falhas de comunicação
entre os envolvidos, não-observância do plano de vôo e problemas no rádio e no transponder.
O IPM tem o mérito de indicar
uma atribuição de responsabilidades baseada em fatos, não em
especulações ou preferências
ideológicas. Nos dias que se sucederam ao desastre, uma espécie de histeria coletiva tomou
conta de parte da opinião pública e de algumas autoridades policiais, que culpavam os norte-americanos por tudo.
O inquérito marca também
uma mudança de atitude da própria Aeronáutica. Ainda que de
modo oblíquo, a FAB agora admite que ocorreram falhas no
sistema de controle aéreo.
É nesse ponto que certos silêncios do IPM se tornam eloqüentes. Não há referência à sobrecarga de trabalho dos controladores ou às suas deficiências de
formação. Muitos deles não são
capazes de manter uma conversação em inglês. A crer no advogado de defesa dos militares indiciados, um deles não estava
qualificado para operar na função, mas foi obrigado a fazê-lo
por "determinação superior".
O inquérito tampouco menciona a deterioração e a obsolescência de equipamentos do controle do espaço aéreo -razão dos
famosos "buracos negros" de
que tanto se falou ao longo dos
últimos 12 meses.
Outro ponto "esquecido" é o
da falta de investimentos. Embora o passageiro pague pesadas
taxas de embarque que ajudam a
constituir os fundos aeronáutico
e aeroviário, destinados a promover a segurança do setor, essas verbas não são plenamente
utilizadas. Elas são mantidas no
caixa do governo para cumprir a
meta de ajuste fiscal.
Talvez não caiba mesmo a um
inquérito policial apontar causas
estruturais ou que não tiveram
relação imediata com o acidente,
mas não há dúvida de que elas
são importantíssimas quando se
trata de discutir -e melhorar- a
segurança aérea do país. É nisso
que as autoridades aeronáuticas
devem centrar esforços.
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