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JOSÉ SARNEY
Réquiem para o neoliberalismo
AS BOLSAS , fartas dos tempos
do vale-tudo, pediram que
não lhes mandassem flores,
e sim o socorro que elas sempre
condenaram como uma intervenção maléfica no mercado, que, sozinho, tudo resolveria, até mesmo os
problemas da economia e da sociedade. Caímos na armadilha.
O comunismo morreu sem um
tiro, vítima de suas próprias contradições: foi um suicídio. O capitalismo está morrendo, não funciona
mais com suas próprias pernas e
socorre-se do Estado interventor.
Este surge como tábua de salvação.
Tony Blair falou certa vez na Terceira Via, que não era nem terceira,
nem via, mas, sim, uma maneira de
salvar os dedos, perdendo alianças,
e não anéis. Melhor pensou Deng
Xiaoping, com sua China de dois
sistemas, capitalista e socialista,
que pelo menos tem a vantagem da
evidência do sucesso.
Nesse episódio da atual e surpreendente crise a que estamos assistindo, sem saber onde está o
fundo, fica a vergonha da classe política americana, que se mostrou
incapaz de servir ao país e desrespeitou o interesse público. Deram
o mau exemplo de não distinguir
entre os interesses da pátria e os dividendos políticos e eleitorais. Onde estão um Lincoln, um Jefferson,
um Washington ou um Roosevelt?
Os próprios candidatos esconderam-se na mediocridade de subterfúgios e lugares-comuns, sem mostrar capacidade de liderar. A primeira virtude do líder é a coragem,
a segunda é não ter medo de decidir segundo o interesse do povo,
sem julgar se ele próprio vai ganhar
ou perder. Acrescente-se o fato de
que esta é a primeira crise que
ocorre com a globalização financeira, que chega até mesmo a Bora-Bora.
Para usar uma citação lugar-comum, lembremos Fukuyama falando no fim da história, com a definitiva implantação da economia
de mercado e da democracia liberal. Se uma e outra se mostram incapazes de resolver uma crise dessa dimensão, como achar que elas
esgotam os caminhos da humanidade? Faliram o mercado selvagem
e a democracia, logo no país que é o
seu berço e padrão, mostrando-se
incapazes de criar homens públicos que sirvam de exemplo de estadista mundial.
Bush nivela-se a tais parceiros
neste episódio. Ele passará à história não como Quixote, o cavaleiro
da triste figura, mas como a figura
do triste homem que levou seu país
ao fundo do poço. Ele, que era o
grande conservador capitalista,
matou-o não com um beijo, como
Oscar Wilde na "Balada do Cárcere
de Reading", mas com a espada da
crueldade, cujo único triunfo foi a
cabeça de Saddam. Ela valeria isso?
Agora vão querer consertar, mas
o estrago e as conseqüências já
estão aí.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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