São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A escolha dos candidatos

RICARDO LEWANDOWSKI


Cabe só aos eleitores, e não à Justiça, escolher os melhores candidatos, esperando-se que os seus votos sejam dados aos que têm passado limpo

Em Roma antiga, os postulantes a cargos públicos trajavam uma toga branca como forma de distingui-los dos demais cidadãos. A palavra "candidato", empregada atualmente para identificar aqueles que disputam um mandato eletivo, vem do latim "candidatus", que significa "aquele que veste roupa branca". Com esse traje, pretendiam demonstrar que possuíam um passado limpo, honestidade de propósitos e idoneidade moral para o exercício do múnus pretendido.
Esse costume não era imposto por nenhuma lei, mas provinha da austera tradição de um povo que conquistou o mundo no passado, a qual exigia retidão de caráter daqueles que buscavam o voto de seus concidadãos.
No Brasil, por conta de um progressivo relaxamento dos padrões éticos no âmbito da política, estabeleceu-se no art. 14, parágrafo 9º, da Constituição que leis complementares poderiam estabelecer "outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato", além daqueles já previstos no próprio texto constitucional.
Sintomaticamente, as leis que instituem os casos de inelegibilidade, com base nesse parágrafo, passam a ser alvo de duras críticas, logo depois de editadas, sobretudo por parte de políticos barrados pelos novos critérios. São objeções travestidas de sofisticadas teses jurídicas, que acabam desaguando nos tribunais, onde alimentam intensas polêmicas.
É o caso da lei complementar nº 135, aprovada em junho deste ano, conhecida como Lei da Ficha Limpa, contra a qual se argumenta, por exemplo, que não poderia entrar em vigor no mesmo ano em que foi promulgada, nem atingir atos praticados no passado e tampouco levar em conta condenações por crimes graves, ilícitos eleitorais e atos de improbidade administrativa impostos por colegiado de juízes.
Aqueles que adotam esse entendimento invocam, dentre outros, os princípios constitucionais da anualidade do processo eleitoral, da intangibilidade do direito adquirido e da presunção de inocência.
Os que divergem sustentam que, tratando-se de disputa por cargos públicos, outros valores, tão ou mais importantes, devem ser sopesados, em especial a probidade administrativa e a moralidade para exercício do mandato, considerada a vida pregressa dos candidatos, nos exatos termos do dispositivo constitucional acima referido.
Levada a discussão ao Supremo Tribunal Federal, o julgamento acabou empatado quanto ao princípio da anualidade. Cinco ministros assentaram que a lei só valeria para as próximas eleições, enquanto outros cinco decidiram pela sua eficácia imediata.
O impasse, em razão da vaga aberta pela recente aposentadoria de um dos 11 integrantes da Corte, ainda não preenchida, somente será solucionado depois do primeiro turno, que se realiza hoje.
Seja qual for o resultado final da controvérsia, cabe apenas aos eleitores, e não à Justiça, escolher os melhores candidatos, esperando-se que seus votos sejam dados àqueles que tenham um passado limpo, reputação ilibada e capacidade para o exercício do mandato.
É chegada a hora de recuperarmos a virtude cívica praticada pelos antigos romanos, o que, nos dias atuais, segundo o renomado professor de teoria política Maurizio Viroli, significa cultivar uma atitude de permanente repúdio à prevaricação, à discriminação, à corrupção, à arrogância e à vulgaridade.


RICARDO LEWANDOWSKI, 62, é presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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