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ANTONIO DELFIM NETTO
Estado de espírito
Quando se diz que o desenvolvimento é um "estado de espírito"
que floresce quando um governo abriga e protege, sem temores e sem restrição ideológica, as condições para a expansão do "espírito animal" dos empresários, não se está dizendo, obviamente, que o desenvolvimento se faça
sem adequadas condições objetivas,
como a existência de infra-estrutura, a
disponibilidade de mão-de-obra e sua
qualidade, a disponibilidade de um
estoque de bens de capital que incorpora uma dada tecnologia etc. E mais.
O desenvolvimento, medido como a
taxa de crescimento do PIB, é um fenômeno dinâmico, que depende dos
acréscimos, no tempo, da mão-de-obra disponível e do seu aperfeiçoamento, dos acréscimos líquidos do estoque de capital, no tempo, que substitui o capital utilizado no processo
produtivo (depreciação) por novo capital (que incorpora a inovação tecnológica) e da capacidade e imaginação
do empresário de combiná-las. O último é o fator decisivo.
O que se quer dizer é que a cooperação da ação de um governo amigável
(na educação e na saúde da mão-de-obra e no estímulo à criação de novas
tecnologias) com o "espírito animal"
do empresário leva a insuspeitadas
combinações produtivas, incapazes
de serem apreendidas numa "função
de produção". Mas por que "espírito
animal"? Porque, numa larga medida,
os verdadeiros empresários, isto é,
aqueles que tomam o risco de novos
investimentos em bens de capital, se
apóiam não em fórmulas mágicas
produzidas por equações diferenciais
estocásticas (como fazem os "rentistas"), mas em sua "intuição", em sua
capacidade de "sentir", por antecipação, a demanda que está chegando às
prateleiras.
É por isso que a tal produtividade total dos fatores (o famoso resíduo de
Solow) é apenas a caixa-preta desconhecida que iguala um indicador
qualquer de produção física global à
pretendida "função de produção". Esta contém, ao mesmo tempo, a função
de produção de uma sorveteria de Sorocaba e da sua vizinha, a Companhia
Brasileira de Alumínio...
Uma prova indireta de que o "produto potencial" é um conceito platônico, que vive sua perfeição no mundo
das idéias, é o sucesso relativo da Teoria dos Ciclos Reais, que acaba de receber o Prêmio Nobel de Economia.
Usando apenas o resíduo de Solow (isto é, exatamente o que a função de
produção não "explica") somado às
hipóteses neoclássicas levadas ao paroxismo, C.I. Plosser "explicou" dois
terços das flutuações do PIB americano. Uma daquelas hipóteses é o equilíbrio instantâneo em todos os mercados, em particular o do trabalho, o que
implica que todo "desemprego é voluntário", produzido pelos trabalhadores quando tentam maximizar o
seu "bem-estar"! É apenas uma nova
versão (de outro Prêmio Nobel), a de
que o desemprego seria apenas um
ataque de preguiça que, de vez em
quando, infecta os trabalhadores! O
"corpo" da função de produção -a
combinação entre os fatores trabalho
e capital- não tem nenhum papel no
modelo!
Ajustando o famoso argumento ontológico de santo Anselmo (assegurando a existência de Deus) para "provar" a existência da função de produção, o nosso Banco Central corre o risco 1º) de voltar a adormecer o "espírito animal" de nossos empresários que
estão produzindo o desenvolvimento
e 2º) de levar o governo a acreditar que
eles são incapazes de fazê-lo e, portanto, deve-se procurar outro caminho...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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