São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Balanço social: instrumento democrático

LÚCIO ALCÂNTARA

O Ceará vem registrando, no suceder dos últimos anos, importantes avanços na melhoria da qualidade de vida de sua população, como atestam os resultados assinalados pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) tomados tendo por referência os extremos do decênio final do século passado.
Não obstante essa evidência, fruto de um exitoso saneamento das contas públicas e de um bem-sucedido programa de atração de investimentos e de políticas direcionadas para o combate à pobreza, são muitos ainda os desafios que devem ser enfrentados pelo Estado na caminhada para, mantendo acelerado o crescimento de sua economia, dando por certa a prevalência de gestão pública eficaz na exploração de suas vocações e potencialidades, obter impactos de inclusão social significativos, mensurados a partir de uma acentuada redução de suas desigualdades.
Embora se deva reconhecer ser o Estado do Ceará, como os demais Estados da Federação, em maior ou menor grau sujeito às injunções do comportamento da economia e que, ademais, não pode prescindir dos ganhos decorrentes das políticas sociais do governo federal, compreendemos ser necessário, por outro lado, atribuir margem crescente de autonomia a um esforço estratégico em torno da adoção e disseminação de uma linha de governança que atenda à perspectiva de uma prática gerencial democrática.


Estado e sociedade têm de se complementar, o primeiro devendo se notabilizar pela absoluta transparência de suas ações


Referenciados nesse entendimento e com a responsabilidade, que nos foi confiada, de governar o Ceará, quedamo-nos empenhados na tarefa de contribuir para o estabelecimento de uma institucionalidade conferida a formas de transparência na gestão pública, as quais venham para assumir a feição de ferramentas gerenciais destinadas a promover mais interação entre as ações de governo, os seus resultados e, simultaneamente, as demandas e a leitura crítica da sociedade.
Com esse propósito, criamos a Secretaria Extraordinária de Inclusão e Mobilização Social (SIM), à qual cabe a missão articuladora de ampliar as sinergias da estrutura operacional do governo, em função do cumprimento de uma agenda de planejamento que privilegia "crescimento com inclusão social", bem como a de gerenciar o Sistema de Inclusão Social, uma ferramenta de mensuração das "metas sociais" compromissadas com a sociedade em lançamento público.
O caminho que escolhemos construir no Ceará para o enfrentamento da nossa dívida social, com observatórios independentes de avaliação dos resultados das políticas em execução, não é responsabilidade de um só governo ou mesmo de uma só geração. Contudo precisa ser trilhado, palmo a palmo, e ganhar autonomia penetrando nas artérias da sociedade. Tem inspiração nas "Metas do Milênio", lançadas em 2000 pela ONU, com a demarcação de compromissos objetivando a edificação de uma humanidade sustentada por valores de maior eqüidade social.
Firmamos no governo também a prática de publicação do balanço social. É uma iniciativa pioneira na esfera pública, cuja segunda edição, relativa ao ano de 2003, o primeiro do nosso governo, apresenta de forma direta, sem evasivas, evidenciando as restrições orçamentárias do período, os resultados alcançados nas diversas áreas setoriais.
Esse é um instrumento muito valioso, do qual estamos lançando mão para sedimentar no Estado práticas de transparência administrativa na gestão pública. Deve ser visto como um contraponto que veio para reduzir a distância e a superficialidade da relação normalmente existente entre governo e sociedade, de modo a fazer o contribuinte, o cidadão sentir-se contemplado e estimulado a acompanhar e fiscalizar.
A publicação sistemática, ano a ano, do Balanço Social do Ceará, por favorecer a ampliação de um acompanhamento mais amiúde da ação governamental, certamente deverá modificar posturas e estimular participações qualificadas. Ao trazer clareza de informações, há de colocar noutros patamares o debate, a reflexão envolvendo gestores públicos e os mais diversos atores sociais.
Os limites e possibilidades da administração pública deixarão de ser domínio exclusivo dos seus gestores, na medida em que ganha horizontalidade e verticalidade o olhar da coletividade. A noção de prioridade pode adquirir feição bem mais operacional, deixando de ser apenas um compromisso às vezes genérico do governante. Isso permitirá que o balanço social seja introduzido na administração pública não como uma peça com informações e indicadores que se prestem mais para diagnósticos futuros, mas sim como um ativo instrumento gerencial, que se permite enriquecer pelo procedimento do controle social.
Aos instrumentos tradicionais da democracia representativa precisam ser acrescidos outros mecanismos de participação social. O que propomos, em última instância, configurando-se como claramente factível, é um vigoroso processo prático que conduz ao aprofundamento de conteúdo e da qualidade do debate, em face do objetivo de dar visibilidade substantiva à democracia. Para tanto, Estado e sociedade devem se mobilizar e, mais e mais, complementar-se, o primeiro recepcionando sugestões, demandas e críticas, devendo notabilizar-se pela absoluta transparência de suas ações, sendo imprescindível nesse ponto a publicação de balanços sociais.
À sociedade, por sua vez, interessada e beneficiária direta desse processo, cabe agir como formuladora de um denso protagonismo interativo, capaz de favorecer o ajustamento das atribuições do Estado em razão do embate com contradições por serem superadas e dos rumos de uma outra realidade por ser construída.

Lúcio Alcântara, 61, é governador, pelo PSDB, do Ceará. Foi vice-governador do Estado (1991-94), senador da República (1996-2002) e prefeito de Fortaleza (1979-82).


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