São Paulo, terça-feira, 03 de novembro de 2009

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Gasto com qualidade

Fim do desvio de verba dá mais R$ 9 bi anuais para educação que deveriam fluir para programas de atestada eficácia

A REVINCULAÇÃO completa de verbas federais para o ensino, aprovada no Senado, tem a aparência de boa notícia. A emenda constitucional votada acaba de forma paulatina com a DRU (desvinculação de receitas da União), que permitia ao governo gastar em outros setores 20% das receitas carimbadas para a educação. A parcela cai para 12,5% neste exercício, chega a 5% em 2010 e acaba em 2011.
No final do processo, o MEC contará com R$ 9 bilhões adicionais por ano num orçamento que, hoje, movimenta cerca de R$ 40 bilhões. O dinheiro surge como reforço genérico para as políticas bem orientadas que o ministro Fernando Haddad vem implantando, enfeixadas no Plano de Desenvolvimento da Educação. Mas seria melhor se viesse precedido por programas concretos e de eficácia comprovada para aplicar as verbas devolvidas.
Tradicionalmente se gasta mal no Brasil, e a área de educação não foge a essa regra. O dispêndio público com ensino se aproxima de 5% do PIB, patamar semelhante ao de países desenvolvidos como EUA (5,3%), Reino Unido (5,5%) e França (5,7%). O Japão gasta 3,5%.
Temos, por certo, uma base mais larga de jovens em idade escolar. Isso resulta num gasto proporcionalmente mais baixo por aluno, mas não o bastante para explicar a diferença abissal de qualidade, como atestam os maus resultados de estudantes brasileiros em testes internacionais padronizados.
Mesmo ponderando o dispêndio por estudante como fração da renda per capita do país, o resultado é decepcionante. A nota de alunos brasileiros do ensino fundamental na prova de matemática do exame internacional Pisa ficou pouco acima de 350 pontos em 2006. Considerado o nível de renda do Brasil, porém, nossos alunos deveriam alcançar algo entre 450 e 500 pontos, de acordo com os cálculos do economista Fernando Veloso, do IBMEC-RJ, num cotejo entre os países participantes do Pisa.
Diante desse quadro, mais dinheiro pode redundar só em mais desperdício, ou em ganhos irrisórios para a qualidade do ensino. Correto seria identificar primeiro programas prioritários para melhorar as aulas, partindo de experiências bem sucedidas em outros países, depois orçá-los e só então incluir o valor necessário no orçamento.
A emenda constitucional aprovada também ampliou a faixa etária de escolarização obrigatória. Até o presente, todos os que tinham de 6 a 14 anos deveriam estar matriculados; agora o Estado fica obrigado a prover vagas para aqueles entre 4 e 17 anos que as buscarem.
A medida, em si mesma meritória, corre o risco de seguir a mesma lógica do aumento indiscriminado de recursos. Ninguém pode ser contra dar pré-escola e ensino médio para todos. No caso da pré-escola, contudo, não faltam estudos mostrando que ela só faz diferença no desempenho de futuros estudantes se contar com professores treinados para lidar com essa faixa etária, turmas reduzidas e visitas regulares às famílias.
Isso tem preço, mas a verba pode escoar antes que ele seja corretamente fixado.


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