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ANTONIO DELFIM NETTO
Empulhação
A proposta de Timothy
Geithner, o secretário do Tesouro dos EUA, para corrigir o
desequilíbrio global, obrigando dentro de um prazo razoável cada país a limitar o seu superavit ou seu deficit em conta
corrente a 4%, pode ser interpretada de várias maneiras.
Primeiro, como uma tentativa para não enfrentar o indigesto problema do câmbio
chinês. É ilusão pensar que a
resistência seja apenas de Pequim: as empresas americanas instaladas na China têm
enorme poder de voto no Congresso americano, e os seus interesses seriam prejudicados
com uma ação mais dura dos
Estados Unidos.
Segundo, como uma empulhação. Os EUA sabem que o
dólar precisa ser desvalorizado. Estão fazendo isso liquefazendo a sua dívida interna. No
momento em que as "expectativas" de consumo e investimento se inverterem, poderemos ter uma taxa de inflação
maior, que produzirá um aumento substancial da taxa de
juro e uma depreciação do valor da sua dívida externa.
Se os países não conseguem
controlar suas taxas de câmbio, como esperar que controlem os deficits em conta corrente? Mesmo simplificando o
problema, o número de variáveis que precisam de controle
(consumo, investimento, poupança, gasto público, taxa de
juros, taxa de câmbio, salário
real etc.) mostra que se trata
de pura empulhação.
A recente descoberta -para
dar solidez à proposta americana- de que Keynes sugerira
algo semelhante em Bretton
Woods (1944) beira o ridículo.
Keynes, no fundo, defendia
uma espécie de "controle social dos investimentos" (que
nunca se sabe como institucionalizar numa sociedade
aberta). Ele, sem dúvida, foi o
maior economista do século
20, e pagamos um preço alto
por não levá-lo a sério. Podemos pagar outro levando-o,
agora, a sério demais!
Lembremo-nos de que costumava responder a críticas de
que era "volúvel" com a frase:
"Quando o mundo muda, eu
mudo. E você?". O que há de
comum, afinal, entre o mundo
de 1944 e o de 2010?
A despeito de a mídia financeira internacional ter classificado a proposta de Geithner
como "sensata", é melhor
prestar atenção à reação de
quem tem a responsabilidade
de manter funcionando a economia do seu país.
Para o ministro das finanças do Japão, Yoshihiko Noda,
"a ideia de fixar metas numéricas é irrealista". O primeiro-ministro indiano, Manmohan
Singh, acrescentou: "O G20
tem muita dificuldade em
avançar tal ideia". E a resposta
alemã, realista como sempre,
foi certeira e mortal: "Não temos condições legais nem inclinação filosófica para interferir na economia para cortar
nosso superavit. Afinal, é natural que países que estão envelhecendo poupem mais do
que investem".
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às
quartas-feiras nesta coluna.
contatodelfimnetto@terra.com.br
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