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RUY CASTRO
Estado gasoso
RIO DE JANEIRO - Um aspirante a
dramaturgo teve uma ideia para
uma peça sobre a atualidade política. Seria uma comédia de terror.
Boa ideia, mas impraticável: ninguém se atreverá a montá-la. Daí
ele não fazer segredo sobre a trama.
A cena se passaria em Brasília,
nos primeiros meses de 2011. O protagonista seria o ex-presidente Lula, vagando pelo Planalto ainda
sem entender a transformação de
seu antigo estado sólido para uma
consistência quase gasosa, típica
dos ex-presidentes. Em sua nova
condição ectoplásmica, ele vê e ouve o que acontece à sua volta, mas
não pode interferir porque ninguém mais o ouve ou vê no âmbito
do poder.
Inconformado por ter deixado de
influir, o ex-presidente tenta se comunicar com velhos aliados como
José Alencar, José Sarney e Orestes
Quércia. Mas eles também já não
estão com essa bola, e Lula é obrigado a apelar para sovados truques
do terrir, como o som de correntes
arrastadas, corujas piando na madrugada e candelabros ameaçando
cair sobre os novos ocupantes do
palácio. A história termina com Lula fugindo da zona fantasma para
fundar um partido de oposição e
tentar frustrar os planos continuístas da presidente Dilma Rousseff.
É ficção, claro, mas já há quem se
pergunte quanto tempo Lula levará
para se desligar intimamente da
gloriosa rotina que viveu nos últimos oito anos. O ideal seria que
houvesse uma câmara de descompressão para ex-presidentes, que
lhes permitisse hibernar por três
meses e só acordar depois de o novo presidente ter tomado pé.
Mas esse aparelho ainda não
existe e, por muitos meses, Lula
continuará ao largo, dando palpite
na condução dos negócios, impacientando-se por não ver suas sugestões acatadas e começando a
desconfiar de que o termo de Dilma
não será, como ele esperava, um
-com todo o respeito- mandato-tampão.
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