São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Lula presidente: o sentido histórico FÁBIO KONDER COMPARATO
À trilogia clássica dos regimes
políticos -monarquia, oligarquia e democracia-, tal como estabelecida pela filosofia grega, corresponde
logicamente uma classificação das personalidades políticas. Temos, assim,
conforme o temperamento pessoal e a
forma de atuação na vida pública, políticos individualistas, oligárquicos e democráticos.
Reconhecendo a evidência de uma separação entre dominantes e dominados na sociedade, e a incongruência de se pretender atuar simultaneamente como representante de ambos os lados, os políticos da nova estirpe optaram pela defesa do povo no sentido romano de "plebs", ou seja, o conjunto das classes e grupos sociais, despidos de poder econômico, e que nunca puderam impor a sua vontade aos governantes. Aristóteles já havia sustentado, com notável realismo, que a democracia é o regime da soberania dos mais pobres. Ora, para que isto se torne uma realidade, em futuro não muito distante, é preciso ajudar o povo dominado a se organizar, a fim de que ele possa exercer diretamente o poder supremo. Mas exercê-lo não em seu próprio e exclusivo benefício, como sempre fizeram os grupos oligárquicos, e sim para a realização do bem comum do conjunto dos cidadãos, o "populus" da tradição romana. Exatamente por isso, o atual momento político é de singular importância na história do nosso país. Pela primeira vez, o povo dominado percebe que pode assumir a posição de soberano. Pela primeira vez, a chefia do Estado é atribuída a alguém que, saindo das camadas populares mais pobres, não renega a suas origens nem se bandeia para o lado dos oligarcas; antes, declara-se pronto a construir, lado a lado com os seus, os alicerces de uma sociedade comunitária, na qual todos tenham, enfim, condições de nascer e viver livres e iguais, em dignidade e direitos. O que cabe, portanto, a nós, integrantes da velha minoria privilegiada, é fazer com que esse momento único na história brasileira não seja fugaz. É nosso dever de cidadania lutar, com todos os meios à nossa disposição, os quais sempre foram negados à maioria carente, em prol da institucionalização da democracia participativa, impedindo com isto que o povo, mal chegado ao poder, volte outra vez à indigna condição de subordinado. Lula presidente é a prova de que um outro mundo é possível. Fábio Konder Comparato, 66, jurista, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular da Faculdade de Direito da USP e doutor honoris causa da Faculdade de Direito de Coimbra. É autor, entre outra obras, de "A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos" (Saraiva) Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Alberto Goldman: Democracia, pacto social e os enigmas de Lula Índice |
|