São Paulo, segunda-feira, 03 de dezembro de 2007

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Preservar a agenda

Chance de perda de receita com a CPMF não deveria levar o governo a pôr em risco a confiança na política econômica

O GRAU DE DISSENSO a respeito das linhas gerais que a política fiscal deve seguir já foi bem maior no Brasil. Sem chegar a constituir propriamente um consenso, é flagrante que aumentou, entre as principais correntes políticas, a aceitação de algumas diretrizes gerais quanto aos gastos públicos e aos impostos -ainda que mais no discurso do que na prática.
Essas diretrizes podem ser resumidas em quatro recomendações: garantir, ao reservar recursos para pagar juros, uma gradual diminuição da dívida pública; aliviar o excessivo peso dos impostos; reduzir a fatia dos gastos governamentais correntes (como o custeio da máquina e os benefícios previdenciários); e recuperar o investimento público, sobretudo na infra-estrutura.
Dentre os tributos que podem ser reduzidos paulatinamente está a própria CPMF. Mas uma proposta que avançasse na racionalização de impostos sobre a folha de pagamentos -e que escolhesse abater, por exemplo, a alíquota da Cofins- também seria muito bem-vinda. Infelizmente, as negociações nessa direção, que pareciam ter possibilidade de prosperar, chegaram a um impasse na semana passada.
A despeito do déficit na capacidade de negociação do Planalto, surpreende o grau de dificuldade que o governo vem enfrentando para obter o aval do Congresso à prorrogação da vigência da CPMF. A chance de uma derrota do governo nessa matéria, que até poucas semanas atrás parecia remota, tornou-se palpável. E preocupa a maneira pela qual a cúpula da área econômica reagiu a esse risco.
Em resposta à hipótese de perda da CPMF, o governo federal levantou ameaças pouco veladas de "retaliação": aumentos de outros impostos, sacrifício de investimentos, relaxamento do esforço de redução da dívida -ou seja, redução do chamado superávit primário.
Essa reação revela uma dose de destempero dos negociadores do presidente Lula, o que pode dificultar a retomada das conversas com a oposição. Mais do que isso, as declarações emitem uma sinalização de retrocesso.
Continua em aberto o desfecho da tramitação da CPMF. Ela envolve tanto uma barganha do Executivo com os senadores "rebeldes", de partidos aliados, como negociações com setores da oposição. É possível que as partes cheguem, enfim, a um acordo que preserve o imposto do cheque, talvez com alíquota cadente. Também é possível que o tributo acabe extinto (temporária ou mesmo definitivamente).
Mesmo na hipótese da liquidação pura e simples da CPMF, caberia ao governo preocupar-se em preservar a confiança que conquistou ao longo dos anos. Não ajuda em nada dar motivos para que prosperem dúvidas sobre a sua adesão, mesmo que pouco entusiástica, à agenda da responsabilidade fiscal.


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