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Preservar a agenda
Chance de perda de receita com a CPMF não deveria levar o governo a pôr em risco a confiança na política econômica
O GRAU DE DISSENSO a respeito das linhas gerais que
a política fiscal deve seguir já foi bem maior no Brasil.
Sem chegar a constituir propriamente um consenso, é flagrante
que aumentou, entre as principais correntes políticas, a aceitação de algumas diretrizes gerais
quanto aos gastos públicos e aos
impostos -ainda que mais no
discurso do que na prática.
Essas diretrizes podem ser resumidas em quatro recomendações: garantir, ao reservar recursos para pagar juros, uma gradual diminuição da dívida pública; aliviar o excessivo peso dos
impostos; reduzir a fatia dos gastos governamentais correntes
(como o custeio da máquina e os
benefícios previdenciários); e recuperar o investimento público,
sobretudo na infra-estrutura.
Dentre os tributos que podem
ser reduzidos paulatinamente
está a própria CPMF. Mas uma
proposta que avançasse na racionalização de impostos sobre a folha de pagamentos -e que escolhesse abater, por exemplo, a alíquota da Cofins- também seria
muito bem-vinda. Infelizmente,
as negociações nessa direção,
que pareciam ter possibilidade
de prosperar, chegaram a um impasse na semana passada.
A despeito do déficit na capacidade de negociação do Planalto,
surpreende o grau de dificuldade
que o governo vem enfrentando
para obter o aval do Congresso à
prorrogação da vigência da
CPMF. A chance de uma derrota
do governo nessa matéria, que
até poucas semanas atrás parecia
remota, tornou-se palpável. E
preocupa a maneira pela qual a
cúpula da área econômica reagiu
a esse risco.
Em resposta à hipótese de perda da CPMF, o governo federal
levantou ameaças pouco veladas
de "retaliação": aumentos de outros impostos, sacrifício de investimentos, relaxamento do esforço de redução da dívida -ou
seja, redução do chamado superávit primário.
Essa reação revela uma dose de
destempero dos negociadores do
presidente Lula, o que pode dificultar a retomada das conversas
com a oposição. Mais do que isso,
as declarações emitem uma sinalização de retrocesso.
Continua em aberto o desfecho da tramitação da CPMF. Ela
envolve tanto uma barganha do
Executivo com os senadores "rebeldes", de partidos aliados, como negociações com setores da
oposição. É possível que as partes cheguem, enfim, a um acordo
que preserve o imposto do cheque, talvez com alíquota cadente.
Também é possível que o tributo
acabe extinto (temporária ou
mesmo definitivamente).
Mesmo na hipótese da liquidação pura e simples da CPMF, caberia ao governo preocupar-se
em preservar a confiança que
conquistou ao longo dos anos.
Não ajuda em nada dar motivos
para que prosperem dúvidas sobre a sua adesão, mesmo que
pouco entusiástica, à agenda da
responsabilidade fiscal.
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