São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Água, o mundo e o Brasil

Passamos pela primavera, chegamos ao verão e os nossos reservatórios de água continuam baixíssimos.
Lendo um artigo de Lester R. Brown, do Worldwatch Institute de Washington, vejo que a calamidade é mundial. O aumento acelerado da demanda está baixando os lençóis freáticos em todos os continentes.
De onde vem a explosão da demanda por água? Em primeiro lugar, do próprio crescimento populacional. Embora as taxas tenham desacelerado em relação ao século passado, o planeta enfrenta desafios demográficos colossais. A população do mundo aumenta em 80 milhões de pessoas por ano! Vejam esses números: na primeira metade deste século, o planeta terá 3 bilhões de habitantes adicionais. Só a Índia aumentará sua população em 520 milhões de pessoas. A China, em mais de 210 milhões. E o Paquistão em mais 200 milhões. Quase 1 bilhão de habitantes em 50 anos!
Com esse aumento extraordinário de gente, aquele especialista em assuntos ambientais prevê o esgotamento anual dos aquíferos que hoje possuem 160 bilhões de metros cúbicos de água (160 bilhões de toneladas).
Considerando que, para se produzir uma tonelada de grãos, são necessárias mil toneladas de água, os referidos reservatórios serão suficientes para produzir 160 milhões de toneladas de grãos. Como o consumo per capita de grãos está em torno de 300 kg por ano, os 160 bilhões de toneladas de água permitirão alimentar 480 milhões de pessoas. Só a Índia, China e Paquistão terão adicionado 930 milhões de pessoas até 2050. Ou seja, o mundo terá comida produzida por um equilíbrio insustentável de água. É um macroproblema que preocupa -e muito.
Além do crescimento da população, a urbanização e a industrialização pressionam pela água. O próprio aumento da renda per capita leva as pessoas a consumirem mais carne, ovos e laticínios, que, por sua vez, dependem muito de grãos e, portanto, de água. Cada vez que se dobra o consumo de grãos, dobra-se o consumo de água.
Os países que não têm água não tem grãos, e são obrigados a importá-los. Essa é a maneira que encontraram para comprar água. China, Índia, Paquistão, Egito, México e outros países que têm populações gigantescas serão grandes compradores de água por muitas décadas.
Os países que ainda dispõem de água -como o Brasil, que possui cerca de 20% da água do mundo- estarão na posição de vendedores por um bom tempo. Trata-se de uma vantagem comparativa preciosa, pois até agora não se inventou um bom substituto para a água.
Mas essa estratégia de comprar e vender água terá seus limites. Os países não poderão se furtar de implementar um rigorosíssimo controle populacional. Sim, porque 70% da água disponível é utilizada para a produção de alimentos. A urbanização, a industrialização e o aumento de renda são fatores secundários -o que não significa um convite para esbanjar água nas cidades.
Isso vale também para o Brasil, a despeito de sua situação privilegiada -sem contar que, exatamente devido a isso, poderemos sofrer pressões comerciais e até militares por causa da água. Nesse campo, toda a atenção é pouca.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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