|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Juros e medo
SÃO PAULO - A verdadeira cláusula pétrea da legislação brasileira
não está inscrita em nenhuma lei,
em nenhum código, a rigor em nenhum lugar. Trata-se da impossibilidade real, embora não escrita, de
mexer no superávit fiscal primário
(receitas menos despesas, fora pagamento de juros).
É a conclusão inevitável quando
se verifica que o governo preferiu
aumentar impostos, apesar de o
presidente ter dito o contrário, em
vez de pelo menos discutir a hipótese de reduzir o superávit.
Para quem não lembra: o "lucro"
do governo se destina ao sagrado
pagamento dos juros devidos aos
portadores de títulos públicos, que
compõem uma superelite, aquela
camada que o lulopetismo ama execrar da boca para fora, mas adora
forrar de dinheiro.
Não é só o governo que deixou de
lado essa possibilidade. Não li nem
ouvi ninguém, desde que caiu a
CPMF, tocar no assunto, na oposição, na academia, no jornalismo,
onde seja. Se alguém tocou, minhas
desculpas antecipadas.
Note bem que reduzir o superávit
não é igual a dar o calote, antes que
os fundamentalistas de mercado
saquem do coldre essa suspeita.
É uma hipótese lógica: a derrubada da CPMF provocou redução da
arrecadação. Logo, reduzir a parte
da arrecadação que se destina a pagar os juros seria natural, certo? Errado, em um mundo em que a pátria
financeira tem poderes extraordinários e em um país em que o vice-presidente diz que o presidente tem
medo dela -ou, ao menos, de seus
arautos no colunismo econômico.
Note também que diminuir o superávit não significa eliminá-lo.
Um governo que manteve religiosamente o superávit elevado deveria
ter crédito para cortá-lo, numa necessidade, mesmo à custa de não
conseguir continuar reduzindo a
proporção dívida/PIB.
Mas, quem tem medo uma vez,
tem medo o resto da vida.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Ano novo, velhos abusos
Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Fracassos Índice
|