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MARINA SILVA
Tragédias que se repetem
FIM DE 2008, início de 2009, tragédia em Santa Catarina.
Fim de 2009, início de 2010, tragédia no Rio de Janeiro. Não bastava um episódio tão doloroso?
Não teria sido possível evitar as proporções terríveis do segundo?
O mais dramático nesses e em tantos outros casos é a repetição. Sugere inércia e uma irresponsabilidade insuportável que, passado o
impacto inicial de vidas perdidas e
a devastação de patrimônios tão
duramente conquistados, retoma a rotina. E o discurso de que foi o excesso de chuvas a razão do desastre. Áreas frágeis e não recomendadas para habitação continuam a ser
ocupadas. Medidas preventivas
permanecem sendo tomadas de
maneira paliativa, com pouca verba, empenho e prioridade. Há iniciativas como o estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro
sobre as vulnerabilidades do litoral
do Estado às mudanças climáticas, mas sem consequências práticas.
As pessoas atingidas continuam a
depender quase que unicamente
do heroísmo de bombeiros, de grupos de defesa civil, de voluntários
que, não raro, aparecem nos noticiários impotentes diante da desproporção entre suas forças e a
enormidade da perda e da dor.
Não sei o que se pode dizer aos
familiares e amigos das vítimas das
chuvas e deslizamentos, mais do
que foi dito às vítimas de Santa Catarina. As catástrofes causadas pelo mortífero tripé -chuvas fortes,
encostas instáveis e construção em
áreas inadequadas- só mudam de
lugar. O que parece não acontecer é
uma intervenção no único vetor do qual temos controle: o uso e ocupação das áreas.
Sei por experiência própria o que
é a perda radical, como a que acontece quando uma correnteza avassaladora invade a casa, leva as pessoas e desmonta o nosso mundo.
Não há nada a fazer, a não ser tentar salvar-se e a quem esteja ao alcance da mão. Tudo tão brutal que
muitas vezes nem as lágrimas acodem.
John Owen (1616-1683), pastor e
teólogo, dizia que os pregadores
precisam "experimentar o poder
da verdade que pregam em e sobre
suas próprias almas". Quem não
sente a alma incomodada pelo calvário daqueles que são atingidos de
maneira frontal -e, na maioria das
vezes, evitável- pelos fenômenos naturais não tem sensibilidade suficiente para mitigá-lo.
Não é justo, não é aceitável que a
cada ano mais pessoas passem por
tal experiência limite, quando se sabe que é possível fazer mais.
A melhor homenagem às vítimas
é lutar para construir e instituir,
até porque a tendência é aumentar
a ocorrência dos fenômenos climáticos que agravarão ainda mais esse
tipo de catástrofe, o que já deveria
ser um pleno e efetivo direito da sociedade: a segurança ambiental.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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