São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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Era da certeza

Novo relatório da ONU sobre clima deveria levar países a revitalizar acordo global para reduzir gases que aquecem o planeta

NADA NO mundo pode contar com 100% de certeza, assinalou em Paris o presidente do IPCC (painel sobre mudança de clima criado pela ONU), no lançamento do novo relatório do órgão. Se alguém viaja para uma região com alta incidência de malária, comparou, não deixa de tomar precauções cabíveis por não ter certeza de que será infectado.
A comparação só não se aplica de todo aos dilemas sobre o que fazer acerca do aquecimento global porque combatê-lo custa caro e afetará a economia de vários setores e países. Até esse impacto, porém, já foi quantificado.
Segundo a "Revisão Stern", estudo coordenado por sir Nicholas Stern a pedido do governo britânico, o PIB global deixará de aumentar em até 20% por ano nos próximos dois séculos caso nada seja feito para impedir que a temperatura da atmosfera suba mais 2C. O documento, de outubro, estima que bastaria 1% do PIB mundial a cada ano para pagar medidas destinadas a mitigar o aquecimento que já se observa.
Esse é o cerne do quarto relatório do IPCC: não há mais dúvida razoável de que esteja acontecendo. Tampouco se discute mais se a queima de combustíveis fósseis e outras atividades humanas são ou não as maiores responsáveis pelo fenômeno. O relatório afirma haver mais de 90% de segurança a respeito.
Veículos, indústrias, termelétricas não-nucleares, desmatamento e até agropecuária lançam na atmosfera os chamados gases do efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4). Tais substâncias dificultam a irradiação, de volta para o espaço, do calor da Terra aquecida pelo Sol. Como sua concentração no ar cresce desde a época pré-industrial, o efeito estufa se agrava, e o clima extrapola seus limites naturais de variação.
Para os cerca de 2.500 especialistas mobilizados pelo IPCC, já se registrou com aparelhos um aquecimento de 0,76C. É certo que mais 0,4C será acrescido nos próximo 20 anos. Até o ano 2100, poderão ser 3C ou mais. Por essas e outras razões, o documento do IPCC dá como "inequívoco" o aquecimento do sistema climático mundial. Secas, ciclones tropicais e inundações deverão com isso tornar-se mais freqüentes. O nível dos mares subirá até 59 centímetros.
Quem preferir desviar os olhos para os 10% de incerteza escrupulosamente anotados pelos cientistas do IPCC estará cometendo um erro se o fizer como pretexto para defender que se cruzem os braços. A mudança no clima veio para ficar, e o sinal enfático contido no relatório deve ser encarado como um marco: o custo da inação muito provavelmente será maior que o da ação.
Ninguém espera mais nada da primeira fase do Protocolo de Kyoto, acordo internacional que previa a redução de 5,2% das emissões de gases do efeito estufa por países mais industrializados até 2012. Com a renitência dos EUA (o maior poluidor) em adotá-lo, tornou-se quase letra morta. O esforço internacional deve concentrar-se agora no segundo período do tratado.
É imperioso que as novas metas a serem assumidas pela comunidade internacional reflitam a gravidade das constatações e projeções do IPCC.


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