São Paulo, segunda-feira, 04 de fevereiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Combate ou incentivo ao desmatamento?

FABIO FELDMANN e ROBERTO SMERALDI


As práticas atuais de incentivo ao desmatamento colocam o país entre os que mais contribuem para o aquecimento global


INDEPENDENTEMENTE de picos ou baixas, o desmatamento não é uma conjuntura, e sim uma doença crônica. Medidas de cunho emergencial, com base no alarde do momento, podem sair pela culatra. Não há como resolver um problema complexo -o da expansão da fronteira- no curto prazo.
A fronteira é móvel e dinâmica. Para estancá-la, é necessário concentrar as atividades agropecuárias nas áreas já desmatadas, nunca favorecer seu deslocamento ou expansão.
Fala-se em promover o aproveitamento das áreas alteradas, mas ninguém o faz. O governo afirma que não é preciso desmatar, mas desmatar é mais barato e, por isso, desmatamentos seguem acontecendo. Para tornar produtivos os 160 mil quilômetros quadrados de áreas subutilizadas, seriam necessários R$ 16 bilhões, dos quais R$ 12 bilhões do governo. Parece muito, mas, dividido em dez anos, esse valor representa 3% dos subsídios do Plano Safra.
Já medidas de proibição de atividades em alguns municípios tendem a estimular o seu deslocamento: um frigorífico não vai deixar de se abastecer de boi. Ao esbarrar numa proibição local, comprará do município vizinho, estimulando a conversão de novas áreas, em vez de reter a produção nas áreas antigas.
As ações contra o desmatamento devem ser precursoras. Deve-se concentrar a ação onde aparecem as estradas pioneiras abertas pelos madeireiros (sinal de conversão próxima), e não nas áreas que já foram "campeãs" do desmatamento. Em algumas delas já há pouca floresta para desmatar.
Fundamental é evitar que o crédito continue fomentando a devastação. A tarefa principal é condicionar o financiamento à cadeia, não só ao produtor. Se o BNDES ou o Banco Mundial continuarem a subsidiar obras de infra-estrutura que estimulam a grilagem ou a ampliação da capacidade dos frigoríficos, sempre haverá alguém na ponta com uma motosserra.
Muitos bancos nem sequer exigem estudos sobre os impactos no desmatamento das obras que financiam. É o caso do complexo do rio Madeira, que levou à explosão da destruição em Rondônia. Problema semelhante ocorre na área fundiária. A lei 10.267 de 2001 impõe cadastramento e georreferenciamento das propriedades privadas.
Em 2004, o governo editou uma portaria para fazer a mesma coisa, mas apenas em 210 municípios. Nada aconteceu. Agora é um decreto a estabelecer a mesma obrigação, só que em meros 36 municípios. A cada vez que se reduz a abrangência geográfica, o que pensam os proprietários nos municípios fora da nova regra?
Já em relação às terras devolutas, faltam iniciativas para assegurar sua gestão pública efetiva, assim inviabilizando a grilagem escancarada, para expansão da fronteira agrícola, o que é tarefa da Secretaria do Patrimônio da União. Um Estado que descuida de seu patrimônio terá autoridade para obrigar os agentes privados a se regularizarem? Um governo que nem licencia suas rodovias na Amazônia -todas seguem ilegais- terá moral para impor o licenciamento aos produtores?
Mais uma vez, promete-se fiscalização. Mas o índice de pagamento das multas na Amazônia caiu de 6% para menos de 1% nos últimos anos. Ninguém seguiu as orientações do Tribunal de Contas para aprimorar a arrecadação. É um desleixo que assegura a impunidade aos infratores. Na mesma linha, deixa-se o Ibama cronicamente sem condições operacionais para exercer poder de polícia, o mesmo ocorrendo com o recém-criado Instituto Chico Mendes, que deveria cuidar das unidades de conservação.
Combater o desmatamento requer persistência, consistência e ação sobre os mandantes, não apenas sobre os executores, resistindo às pressões político-partidárias.
É necessário implementar o Estado de Direito, fechar a torneira para as atividades que desmatam, pagar o custo do aproveitamento das áreas alteradas e apostar decididamente na economia da floresta, com tecnologia, indústria e inovação. Instrumentos como certificação -não só da madeira, mas, futuramente, também dos produtos agropecuários- e pagamento por serviços ambientais são complementares, mas indispensáveis, contribuindo para a competitividade da economia brasileira.
É, em primeiro lugar, interesse dos brasileiros usar a floresta de modo sustentável, mas as práticas atuais de incentivo ao desmatamento acabam colocando o país entre os que mais contribuem para o aquecimento global: algo contraditório para um governo que defende uma nova governança internacional e o acesso ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.


FABIO FELDMANN , 52, advogado, consultor em desenvolvimento sustentável, é integrante do Conselho Diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. Foi deputado federal pelo PSDB-SP e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (governo Covas).
ROBERTO SMERALDI , 47, jornalista, é diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.

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