São Paulo, quarta-feira, 04 de fevereiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O limite da responsabilidade

FAUSTO PEREIRA DOS SANTOS e JOSE LEONCIO FEITOSA


No momento em que os sistemas público e privado de saúde encontrarem seu equilíbrio, o ressarcimento deixará de existir

NO ARTIGO "Um crime que persiste há dez anos" ("Tendências/Debates", 26/1), o deputado federal José Aristodemo Pinotti (DEM-SP) diz desconhecer o limite da irresponsabilidade em seu país. Cita uma história fictícia, descreve rispidamente processos e informações incorretas sobre o ressarcimento ao SUS pelas operadoras de planos de saúde e, ao prestar desserviço ao cidadão brasileiro, transpõe o mesmo limite que questiona.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela cobrança desse ressarcimento, sempre defendeu a melhoria de sua eficiência e nunca mudou seu posicionamento em relação ao assunto. As instituições públicas devem sempre buscar o aprimoramento de suas ações.
As mudanças recentemente anunciadas são parte de um projeto iniciado em janeiro de 2007, incluído em seu contrato de gestão e no Mais Saúde e comprovam a responsabilidade com que a ANS sempre tratou o tema.
A quantidade de atendimentos a beneficiários de planos pelo SUS passíveis de ressarcimento é residual, inferior a 1% do total de internações, e esses atendimentos no SUS demonstra uma anomalia no funcionamento do setor de saúde suplementar. O ideal a ser perseguido é o ressarcimento zero: que ninguém use o SUS para atendimento coberto por plano.
Tratar somente do montante devido empobrece a discussão e ataca as consequências das disfunções, não as suas causas.
Afirmações erradas prejudicam quem trabalha pela solução e só atendem o objetivo da polemização. Não é verdade que o ressarcimento é realizado com atrasos maiores que cinco anos e é claro que o recebimento dos valores devidos não ocorre na quantidade nem com a agilidade desejada.
Vivemos em um Estado democrático de Direito, onde é necessária a prévia observância ao direito à ampla defesa e ao contraditório das operadoras no curso dos processos administrativos. A relativa demora é o justo preço pago pelo respeito ao processo legal.
Somam-se a isso limitações operacionais naturais em processos complexos e restrições de recursos humanos e financeiros da ANS para tarefa desse porte, fatos evidenciados nas auditorias realizadas pelo TCU, acórdãos 771/2005 e 1.146/2006.
Outro equívoco é generalizar os números do ressarcimento a partir de levantamentos em apenas dois hospitais paulistanos sem informar a metodologia do estudo. Esquecendo-se de que São Paulo concentra mais de 40% dos beneficiários do setor suplementar e projetando essa realidade ao restante do país, afirma que o SUS deixa de receber anualmente cerca de R$ 2 bilhões, referentes a 15% dos atendimentos a beneficiários de planos.
A ANS tem resultado quantitativo próximo ao da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998): 6,3% de internações do SUS. Além disso, nem todos os atendimentos são passíveis de ressarcimento. Aplicados filtros como cobertura contratual, o percentual de internações passíveis de ressarcimento cai para 1,16%.
O cruzamento de informações do SUS e da ANS mostra cerca de 140 mil internações por ano no SUS potencialmente passíveis de ressarcimento, um total próximo a R$ 200 milhões.
Contudo, após processo administrativo que verifica por análise documental a cobertura ou não do serviço prestado, o número cai perto de 50%.
Nem considerando atendimentos ambulatoriais de alta complexidade o valor se aproxima do apontado.
O deputado também afirma que a Adin no STF é "desculpa" para a resistência das operadoras em pagar. Para a ANS, ela apenas explica o fato de as empresas conseguirem obter de magistrados federais decisões judiciais que julgam inconstitucional o ressarcimento ao SUS. Definitivamente não impede a cobrança, pois, se assim fosse, a ANS não poderia estar emitindo as cobranças como vem fazendo.
Em vez de ser enxergado exclusivamente como fonte de receita, o ressarcimento deve ser considerado em seu papel regulatório como indicador de disfunções do sistema, tanto do SUS, como nos casos de fraude e iniquidade no acesso, quanto da saúde suplementar, por práticas abusivas ao consumidor. Essas disfunções não se resolvem no varejo da cobrança, mas pelo uso das informações obtidas nos processos como insumo para a orientação regulatória da ANS, dos gestores do SUS e das próprias operadoras.
No momento em que os sistemas público e privado encontrarem seu pleno equilíbrio, o ressarcimento deixará de existir. Até lá, será preciso agir com responsabilidade na busca do interesse público e no estrito cumprimento da lei 9.656/98.


FAUSTO PEREIRA DOS SANTOS , médico, mestre em administração e doutor em saúde coletiva, é diretor-presidente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). JOSE LEONCIO FEITOSA , médico cirurgião cardiovascular, é diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS.

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