São Paulo, quarta, 4 de fevereiro de 1998

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Conversa e fatos

ANTONIO DELFIM NETTO

A análise das consequências das flutuações das moedas asiáticas sobre o fluxo do comércio internacional dos países envolvidos é tarefa complicada. É surpreendente, portanto, ouvirmos de pessoas supostamente informadas que vai acontecer isso ("o efeito será mínimo") ou aquilo ("o efeito será catastrófico"), sem que os fatores condicionantes das previsões sejam explicitados.
Um dos problemas é compreender como funcionarão os exportadores e importadores nas duas direções. Tomemos como exemplo os EUA e a Coréia. Há um ano a taxa de câmbio entre eles era da ordem de 860 wons/dólar. Hoje é da ordem de 1.700 wons/dólar. Suponhamos que o valor adicionado aos produtos exportados pela Coréia seja da ordem de 60%, isto é, que 40% dos componentes das exportações industriais sejam importados. Um produto coreano com o preço de 86.000 wons (US$ 100) teria 51.600 wons de valor adicionado internamente (mão-de-obra mais lucro) e 34.400 wons de componentes importados (40 dólares a 860 wons/dólar).
O que acontece quando o won passa de 860 para 1.700 por dólar? O preço do produto de exportação que era de 100 dólares (86.000 dividido por 860) pode ser reduzido. Como se distribuirá essa queda do preço em dólares? Obviamente, o componente importado continua a valer 40 dólares (mas agora isso representa 68.000 wons: 40 vezes 1.700). O valor adicionado interno será ainda de 51.600 wons.

O valor adicionado em wons permanece o mesmo, no curto prazo, devido à queda da atividade interna. O que estimula o aumento das exportações é a dramática queda do 'valor adicionado em dólares': de 60 para 30,4 dólares, que possibilita uma baixa de preços em dólares e um aumento das margens de lucro, que estimula o investimento no setor.
Em condições normais, os exportadores tentam conservar o seu "share" com preços constantes, relativamente aos seus concorrentes, nos mercados compradores. Às vezes tentam ampliá-lo com vantagens não-preço: qualidade, taxas de juros, prazos de pagamento. Mas agora não se trata de condições normais. As empresas têm de ampliar suas vendas para resolver seus problemas de endividamento e o país precisa aumentar suas exportações em dólares. Elas vão tentar utilizar uma parte da redução do custo em dólares (de 100 para 70,4) para substituir os competidores que não puderem acompanhá-las: elas nem vão manter o preço de 100 (que não teria efeito sobre as exportações e até poderia reduzi-las) nem reduzi-lo para 70,4, liquidando quem não as acompanhou, pois não têm capacidade instalada para substituí-las. Uma redução do preço em dólares de 15% (de 100 para 85), por exemplo, só aumenta a receita em dólares se a quantidade exportada subir mais de 18%. Isso só pode ocorrer se as empresas ocuparem o espaço de competidores malsucedidos: aqueles aos quais não foram dadas condições isonômicas de competição...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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