São Paulo, quarta, 4 de fevereiro de 1998

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Tempo de anticandidatos

CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Muita gente ficou admirada quando aqui desembarcou o general Humberto Delgado, candidato derrotado em Portugal. Como? Portugal não era uma ditadura? Salazar não empolgava o poder desde 1928, com uma das maiores reservas de ouro da época e uma das polícias mais truculentas da história?
Sim, em Portugal havia eleições de tempos em tempos, como havia no Haiti, onde Papa Doc era mais popular do que FHC, tinha 97% do eleitorado. (Havia um candidato de oposição que tinha 1% e a margem de "indecisos" era o dobro da oposição, ou seja, 2%).
Durante o regime militar houve um ano em que Ulysses Guimarães se lançou anticandidato. Evidente que o candidato do sistema deu um banho nas urnas. Segundo os editoriais da mídia, a oposição foi acusada de não ter uma mensagem que fosse captada pelo eleitorado, que era indireto e por isso mais fácil de ser captado.
Bolas, o que têm essas reminiscências da arqueologia eleitoral a ver com as eleições deste ano? Não vivemos uma ditadura formal, mas as regras que vão vigorar no próximo pleito foram feitas de tal forma que o candidato da situação deverá ganhar folgadamente.
Primeiro: a reeleição é um fato novo, pois até o dia do pleito e nos dois meses seguintes antes da posse, o poder de fato exerce um encanto que as chamadas forças vivas da nacionalidade não ousam resistir. Segundo: na prática, a campanha será limitada à TV e a sua duração foi reduzida a um mínimo que equivale a um nada. E esse nada será ocupado majoritariamente pelo próprio presidente. Terceiro: além da campanha em si, há um cabo eleitoral (o R$) subvencionado por juros altos e pela taxa cambial.
Num quadro como esse, qualquer candidatura será um esforço de reportagem, na base do "fizemos o nosso dever, demos o recado". Tal como aconteceu com os anticandidatos Humberto Delgado em Portugal e Ulysses Guimarães no Brasil.



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