São Paulo, quarta, 4 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Convergência democrática


O bloco progressista de oposição deve se unificar em torno de um programa mínimo para o Estado
EDUARDO JORGE

No pequeno, distante e bravo Acre de Chico Mendes, dos cearenses e de Plácido de Castro é possível. Está praticamente certo: em 1998, o candidato a governador do PT naquele Estado será Jorge Viana, apoiado pelo PSDB. A aliança enfrentará o sinistro governador Orleir Cameli (PFL, em coligação com o PPB) e seus deputados de aluguel, com boas chances de vitória.
E aqui em São Paulo? Será que os democratas, os socialistas, os cidadãos de boa vontade vão permitir que um governo com deficiências e fraquezas, sim, porém com tantas outras virtudes, honesto e bem-intencionado, seja derrotado por um populista de direita, de triste lembrança remota e recente?
Antes de mais nada, é preciso que os brasileiros que moram em São Paulo não se esqueçam do peso do Estado na cena política nacional. Pensem, por exemplo, se, por infelicidade, em 1998 se desenhar o seguinte triângulo conservador: Fernando Henrique Cardoso/PFL em Brasília, Maluf em São Paulo, Antonio Carlos Magalhães na Bahia.
Assim, o que está em jogo não é apenas o cenário em que nossas famílias viverão e trabalharão nos próximos anos. É isso e muito mais.
Vamos voltar no tempo e lembrar o papel de Mário Covas no Congresso constituinte de 1987/88, como relator geral, enfrentando a truculência do Centrão. Ou em 1992, impedindo que FHC levasse o PSDB para os braços de Fernando Collor. Ele tinha, portanto, crédito quando, no segundo turno de 1994, recebeu o apoio necessário da esquerda para vencer e chegar ao governo do Estado de São Paulo.
Infelizmente, os partidos progressistas não negociaram firmemente naquele momento para influenciar seu programa e sua administração. Ao contrário. Mesmo nessa fase, dizia-se: "Apóio Covas, mas sou oposição". Por sua vez, a soberba tucana não se permitiu gestos de grandeza e tolerância que facilitassem uma aproximação.
Resultado: o governo estadual cada vez mais dependente de apoio conservador, e a oposição de esquerda cada vez mais determinada e intransigente. E não sem alguma razão, pois o desempenho da área social do governo é limitado, estão em andamento privatizações de áreas não previstas pelo programa de campanha etc.
Mas não sejamos injustos. Também há méritos na conquista de equilíbrio financeiro em um Estado recebido aos pedaços, no respeito aos direitos humanos, na tentativa de civilizar a área da segurança, no diálogo com os sem-terra, na construção de milhares de casas por mutirões, na coragem pioneira do rodízio de veículos na região metropolitana de São Paulo etc.
A relação com o governo federal foi sempre ambígua. Brasília procurou impor brutalmente sua visão de ajuste liberal, que humilhou Estados grandes e pequenos pelo Brasil afora (Minas, Alagoas, Mato Grosso etc.). O Palácio dos Bandeirantes sempre tentou equilibrar a resistência com a fidelidade partidária ao presidente.
As manobras para a aprovação da reeleição, os prejuízos com a Lei Kandir e o namoro FHC/Maluf levaram ao duríssimo gesto do governador de recusar uma campanha de reeleição no Estado. É uma demonstração clara de que as diferenças entre São Paulo e Brasília são maiores do que aquilo que os panos quentes permitem ver.
O que fazer em um quadro dramático como esse? O candidato populista de direita nadando de braçada. A esquerda, sem estrutura e implantação social para impor outra polarização com chances de vencer. Ressentimentos exacerbados entre centro e esquerda. Mas falemos sinceramente: para nós, tanto faz que seja Covas ou Maluf?
Cresce a angústia na opinião pública. Operários politizados, classe média bem informada e empresários com preocupações sociais cobrarão, com insistência cada vez maior, uma solução que evite a autofagia e o retrocesso em nosso campo democrático.
A meu ver, existe uma saída difícil, mas não intransponível: uma convergência democrática. O bloco progressista de oposição deve se unificar em torno de um programa mínimo para o Estado. Depois, deve procurar abertamente o governador e seu partido, chamando-os a um entendimento programático para o futuro governo. Dividir as dificuldades da campanha e também as responsabilidades de governar.
Unidade na chapa para o governo. Chapas de deputados separadas, para manter as especificidades ideológicas. Independência para apoiar candidatos próprios, diferentes, em relação a Brasília. Aliás, estávamos falando do Acre. Lá estão fazendo essa engenharia política. Por que não aqui?
Eduardo Jorge, 48, médico sanitarista, é deputado federal pelo PT de São Paulo. Foi líder do partido na Câmara dos Deputados (1992) e secretário da Saúde do município de São Paulo (gestão Luiza Erundina).



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.