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OTAVIO FRIAS FILHO
A culpa do povo
Sempre que um desses escândalos periódicos -como o que alcançou a Casa Civil da Presidência da
República- vem à tona, um sentimento de indignação e descrença se
abate sobre a maioria dos cidadãos.
Fica reforçada a percepção de que práticas corruptas são renitentes e de que
políticos e partidos são, no fundo,
muito parecidos, para não dizer
iguais.
Num mundo em que a política perdeu parte de sua importância tradicional -porque as opções programáticas se estreitaram severamente-,
aquele sentimento contribui para esvaziar ainda mais o espaço público e
para minar a confiança em soluções
coletivas para os problemas coletivos.
Parecem restar o individualismo, o recurso à esperteza e ao engodo, o salve-se quem puder e como puder.
Desde que o Brasil voltou a ser uma
democracia, em 1985, vários escândalos deram origem a surtos de protesto,
novas regulamentações e ostracismo,
quando não houve punição criminal,
para os envolvidos. O caso mais expressivo é o do ex-presidente Collor,
deposto de maneira constitucional em
conseqüência de uma dessas marés de
moralização política.
Mas logo sobrevém o escândalo seguinte, trazendo de volta a impressão
de "muito barulho por nada", de que o
ciclo indignação-frustração se repete
sem deixar saldo positivo. Será verdade? Em termos. A percepção mais ou
menos generalizada de que nada muda não contempla, em seu esquematismo, certos aspectos que deveriam,
ao menos, matizá-la.
Em primeiro lugar, não é possível
estabelecer se a corrupção é hoje
maior do que no passado ou se foram
os meios de identificá-la e de expô-la
que melhoraram. Com todas as falhas
de suas respectivas atuações, não existe dúvida de que o Ministério Público
e a imprensa nunca tiveram autonomia maior do que hoje -e nunca a
utilizaram com tanto desembaraço.
Em segundo lugar, ao contrário do
que se imaginou de forma simplória
no passado, a corrupção pode ser contida, mas não erradicada. Democracias mais completas e funcionais do
que a nossa vivem às voltas com o
mesmo ciclo. Casos "Waldomiro"
-com idêntico lastro no financiamento clandestino de campanhas
eleitorais- infestam jornais franceses, britânicos ou norte-americanos.
Existe alternativa para o desalento
com a política? Sim. Porque o desalento é a outra face da medalha da exaltação. Ou não temos assistido, quase
que a cada quatro anos, a entusiasmos
irracionais em relação ao messias da
hora? Não foi assim com a redemocratização, com o Cruzado, com Collor,
com o Real e, mais recentemente, com
o PT? Depositamos esperanças tão absurdas em suas promessas que nos
condenamos à decepção.
Talvez seja hora de adotar uma atitude mais realista e racional em relação à política. Não esperar fórmulas
mágicas, descrer da maioria das promessas, manter uma desconfiança
-saudável e republicana- em relação aos representantes do povo.
Quanto mais ingênuo é o eleitor, mais
suas expectativas serão manipuladas e
mais impotente será a sua fúria ao
constatar que foi, de novo, enganado.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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