São Paulo, quinta-feira, 04 de março de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

A culpa do povo

Sempre que um desses escândalos periódicos -como o que alcançou a Casa Civil da Presidência da República- vem à tona, um sentimento de indignação e descrença se abate sobre a maioria dos cidadãos. Fica reforçada a percepção de que práticas corruptas são renitentes e de que políticos e partidos são, no fundo, muito parecidos, para não dizer iguais.
Num mundo em que a política perdeu parte de sua importância tradicional -porque as opções programáticas se estreitaram severamente-, aquele sentimento contribui para esvaziar ainda mais o espaço público e para minar a confiança em soluções coletivas para os problemas coletivos. Parecem restar o individualismo, o recurso à esperteza e ao engodo, o salve-se quem puder e como puder.
Desde que o Brasil voltou a ser uma democracia, em 1985, vários escândalos deram origem a surtos de protesto, novas regulamentações e ostracismo, quando não houve punição criminal, para os envolvidos. O caso mais expressivo é o do ex-presidente Collor, deposto de maneira constitucional em conseqüência de uma dessas marés de moralização política.
Mas logo sobrevém o escândalo seguinte, trazendo de volta a impressão de "muito barulho por nada", de que o ciclo indignação-frustração se repete sem deixar saldo positivo. Será verdade? Em termos. A percepção mais ou menos generalizada de que nada muda não contempla, em seu esquematismo, certos aspectos que deveriam, ao menos, matizá-la.
Em primeiro lugar, não é possível estabelecer se a corrupção é hoje maior do que no passado ou se foram os meios de identificá-la e de expô-la que melhoraram. Com todas as falhas de suas respectivas atuações, não existe dúvida de que o Ministério Público e a imprensa nunca tiveram autonomia maior do que hoje -e nunca a utilizaram com tanto desembaraço.
Em segundo lugar, ao contrário do que se imaginou de forma simplória no passado, a corrupção pode ser contida, mas não erradicada. Democracias mais completas e funcionais do que a nossa vivem às voltas com o mesmo ciclo. Casos "Waldomiro" -com idêntico lastro no financiamento clandestino de campanhas eleitorais- infestam jornais franceses, britânicos ou norte-americanos.
Existe alternativa para o desalento com a política? Sim. Porque o desalento é a outra face da medalha da exaltação. Ou não temos assistido, quase que a cada quatro anos, a entusiasmos irracionais em relação ao messias da hora? Não foi assim com a redemocratização, com o Cruzado, com Collor, com o Real e, mais recentemente, com o PT? Depositamos esperanças tão absurdas em suas promessas que nos condenamos à decepção.
Talvez seja hora de adotar uma atitude mais realista e racional em relação à política. Não esperar fórmulas mágicas, descrer da maioria das promessas, manter uma desconfiança -saudável e republicana- em relação aos representantes do povo. Quanto mais ingênuo é o eleitor, mais suas expectativas serão manipuladas e mais impotente será a sua fúria ao constatar que foi, de novo, enganado.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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