São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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CLÓVIS ROSSI

A classe média e a herança

BRUXELAS - Um par de anos atrás, John Sweeney, o principal dirigente sindical norte-americano, ensinou, em palestra em Davos, que as razões da riqueza americana não eram decorrentes do modelito ortodoxo, neoliberal ou como se queira chamar.
Vinha de motivos bem mais estruturais. Citou os clássicos (tamanho do território, riquezas naturais, um sistema educacional portentoso) e encaixou entre eles o fato de haver uma imensa classe média.
A "aula" de Sweeney me veio imediatamente à cabeça ao ler os dados do "Atlas da Exclusão Social - Os Ricos no Brasil", lançado dia 1º.
O "Atlas" mostra, entre tantos outros números, que a classe média empobreceu 17%, entre 1992 e 2001 e que aumentou o número de pessoas que vivem em famílias pobres.
Ou, posto de outra forma: os anos que marcam o auge das reformas ditas neoliberais no país só fizeram empobrecer a classe média e aumentar o número de pobres.
Nesse ponto, não há como discordar do governo do PT quando diz que recebeu uma "herança maldita". Pena que persevere com fúria de cristão-novo na senda que ajudou a gerá-la e que passa de governo para governo desde o descobrimento.
Mas voltemos à classe média e à lição de Sweeney: fica claro, pelo "Atlas", que o Brasil, em vez de se aproximar de um dos fatores que fizeram a grandeza dos EUA, está se distanciando mais e mais.
É um problema econômico, é um problema social, mas é também um problema político: a pressão da classe média brasileira explica, em boa medida, o fato de a universidade pública ser (ainda) melhor que a privada, na média, ao passo que no ensino fundamental ocorre o contrário, sempre na média.
O filho da classe média vai à escola superior pública e pressiona para que se mantenha em bom nível (ou decaia pouco), o que não ocorre no ensino básico público, que é para o pobre, que não pressiona ou pressiona pouco. Menos classe média é igual a menos pressão, maior decadência e mais distância do paraíso.


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