|
Próximo Texto | Índice
Firula presidencial
Lula ensaia um recuo para ganhar tempo na crise aérea, mas deve plano urgente para superar a paralisia nos aeroportos
FAZIA TEMPO que o presidente Lula não recorria a
seus dotes macunaímicos, mas a crise aérea convocou de volta o personagem.
Tudo o que havia sido dito e prometido na noite de sexta-feira,
30 de março, ficou embaralhado
tão logo entrou abril.
O presidente mandou o ministro do Planejamento atropelar a
cadeia de comando militar e negociar diretamente com um grupo de sargentos amotinados. Negociar não é o verbo adequado; o
governo curvou-se a todas as demandas dos rebelados. Mas agora Lula afirma que não é bem assim, que não tinha "o quadro
completo" quando tomou a decisão, a bordo de seu Airbus que
sempre decola no horário.
O comandante da Aeronáutica,
brigadeiro Juniti Saito, desautorizado havia quatro dias, recebeu
ontem de Lula a incumbência de
capitanear a passagem do controle de tráfego para mãos civis.
Desautorizado ficou agora o chefe de Saito, ministro Waldir Pires
(Defesa), o que não deixa de ter
um aspecto promissor.
O presidente também "reavaliou" a promessa que fez aos controladores em motim de não os
punir. Foi firula, para usar um
termo do repertório presidencial. A repressão disciplinar que
deveria ter sido aplicada na sexta
foi evitada por Lula -isso é fato.
Já sobre as sanções na Justiça
Militar, a partir de inquérito solicitado pela respectiva Promotoria, o presidente não tem poder
de interferência. Eventuais anistias, só no fim do processo, se o
Congresso aprovar.
Lula informa também que o
brigadeiro Saito poderá prender
os rebelados. Mas só na hipótese
de ocorrer um novo motim.
Paulo Bernardo, do Planejamento, que na sexta entregaria
até a preciosa churrasqueira da
Granja do Torto se os controladores o exigissem, agora diz que
não negocia com "a faca no pescoço". E a patética meia volta
culminou com um clássico. Durante encontro com lideranças
de sua base parlamentar, o presidente afirmou que foi traído por
um grupo de controladores.
Como se vê, Lula fez que foi,
mas acabou não indo; fez que
voltou, mas não realizou o recuo
completo. Embolou o meio de
campo, como se diz no futebol.
Guarda na memória, decerto,
que a tática da dissimulação e da
protelação lhe foi útil nas crises
anteriores, as quais o tempo se
encarregou de dissolver.
Desta vez, no entanto, Lula está diante de um problema inédito em sua Presidência, e não só
porque o passar dos meses contribui para agravá-lo. Nunca na
história deste governo o Planalto
enfrentou uma crise tão urgente
para a qual precisasse oferecer
uma solução baseada em avaliações técnicas complexas e planejamento, em negociações delicadas e capacidade de tomar decisões -competência gerencial e
política, enfim.
Há seis meses o governo se esquiva de apresentar um plano
para debelar a crise em seus aspectos conjunturais e estruturais. Terá de abandonar a indolência de Macunaíma para cumprir a sua obrigação.
Próximo Texto: Editoriais: O risco do precedente
Índice
|