São Paulo, quarta-feira, 04 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O risco do precedente

É INQUIETANTE a perspectiva de que o Supremo Tribunal Federal (STF) anule processos que tramitam nas varas federais especializadas em julgar crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. Se isso de fato vier a ocorrer, réus em casos tão célebres como "valerioduto", Banestado ou Banco Santos poderão nem ser julgados, no que constituiria uma afronta à opinião pública e à própria idéia de justiça.
Em julgamento de habeas corpus em favor de um acusado de lavagem no Ceará, a ministra relatora Cármen Lúcia votou pela anulação do processo desde a sua origem. Entendeu que a criação das varas especializadas -decidida por resolução do Conselho da Justiça Federal (CJF) de 2003- violou o princípio constitucional do juiz natural (autoridade cuja competência para julgar é definida antes da instauração do processo, por regra geral).
O problema é que, quando um processo é anulado, o prazo para extinção de punibilidade retroage à data do crime. Assim, muitos dos delitos estariam prescritos.
Tramitam nas 23 varas especializadas mais de 30 mil processos. O julgamento do habeas corpus foi suspenso porque um ministro pediu vista, como relatou o repórter Frederico Vasconcelos no domingo. Se o mandado for deferido, estará aberto o precedente para milhares de réus tentarem anular seus processos.
É possível que tenham ocorrido vícios de forma na criação das varas determinada pelo CJF. Trata-se, porém, de defeito menor, que não basta para justificar o esvaziamento dessas varas especializadas -experiência cuja avaliação é positiva- e muito menos a anulação dos processos que nelas tramitaram.
Permitir que um bom número de acusados ilustres e ricos consiga por um subterfúgio evitar o julgamento constituiria um golpe formidável contra a imagem do Judiciário, já severamente castigada pela perversa associação de morosidade com escândalos de variados calibres.


Texto Anterior: Editoriais: Firula presidencial
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Trair e coçar é só começar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.