|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Motim com champanhe
ONYX LORENZONI
A oposição quer a CPI do Apagão Aéreo porque o contribuinte brasileiro tem o direito de saber o
que está acontecendo
A OPOSIÇÃO quer a CPI do Apagão Aéreo porque o contribuinte brasileiro tem o direito
de saber o que está acontecendo com
a nossa aviação civil. Há mais de seis
meses, o caos nos aeroportos virou
rotina, e a tranqüilidade, exceção.
Quando não são os controladores de
vôo, como aconteceu no último dia 30
de março, é a chuva, as aves ou os cães
que invadem as pistas de pouso e param os aeroportos.
Sem estradas decentes, ferrovias ou
transporte de cabotagem, o Brasil
passou a depender cada vez mais do
avião. Nem o setor privado nem o setor público funcionam sem transporte aéreo. Uma ministra teve de adiar a
posse e a Câmara não funcionou.
Portanto, a crise na aviação não é
uma crisezinha qualquer: tem efeitos
perversos sobre a economia e a administração. E esses efeitos se tornam
piores quando o governo age irresponsavelmente, demonstrando incapacidade para resolver o problema.
Desde que a oposição começou a
trabalhar para a instalação da CPI,
Lula e seus companheiros descumpriram duas vezes a Constituição.
Na primeira, tentaram engavetar a
CPI à força, atropelando o artigo 58
da Carta. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal impediu essa violência.
Na segunda, o presidente da República desprezou o artigo 142, o qual
proíbe militares de fazer greve, impedindo o comandante da Aeronáutica
de usar a lei para conter um motim de
sargentos lotados no Cindacta.
Vem de longe a incompatibilidade
entre o PT e a Constituição. Em 1988,
Lula liderava a bancada petista na Câmara dos Deputados e, com seus oito
comandados, um dos quais é hoje ministro da Justiça, votou contra o texto
da Carta. O argumento: ele consagrava a ordem burguesa.
Há um mês o governo tenta empurrar a CPI para debaixo do tapete passando por cima da lei e do Estado de
Direito. Subestimou a capacidade de
resistência das oposições e a agilidade
da imprensa em levantar fatos fundamentados em investigações promovidas pelo TCU para apurar desmandos, falcatruas e desvios bilionários
de dinheiro público na Infraero.
A CPI, a princípio, investigaria as
causas do acidente que matou 154
brasileiros, mas hoje tem pela frente a
missão de prestar contas à população
sobre fatos gravíssimos que vão desde
má aplicação do dinheiro público até
gestão temerária e promiscuidade entre agentes públicos e privados.
As relações entre dirigentes da
Anac (Agência Nacional de Aviação
Civil) e executivos do setor aéreo
romperam os limites do profissionalismo e se converteram numa intimidade ilimitada. Fotos publicadas nos
jornais mostraram essa intimidade
numa confraternização, regada a
champanhe e charutos, durante o casamento da filha de um diretor da
Anac, em Salvador.
São imagens da arrogância e da falta de compromisso: enquanto os responsáveis pela aviação civil curtiam o
luxo e a festa, batizada pela imprensa
de baile do apagão, centenas de milhares de passageiros amargavam
mais um dia de humilhação nos aeroportos, e sargentos amotinados desafiavam o comandante da Aeronáutica, o ministro da Defesa, a lei e a ordem. Colocaram o governo Lula de
joelhos, arrancaram um aumento e só
então voltaram ao trabalho.
O papel da CPI é esclarecer esses
fatos para a sociedade brasileira. Queremos fazer isso com equilíbrio e responsabilidade, firmeza e seriedade. E,
principalmente, respeitando a lei.
A oposição quer apurar quanto já
custou ao país meio ano de crise, especialmente quando as empresas
anunciam que pedirão indenização
de R$ 100 milhões ao governo.
A aviação civil brasileira já ostentou padrão de qualidade e eficiência
de Primeiro Mundo, mas a crise jogou
por terra nossa credibilidade e levou a
Associação Internacional de Pilotos
de Linhas Aéreas a alertar sobre os
riscos de voar no Brasil.
O presidente Lula não agiu na hora
certa -nem em hora nenhuma- e,
quando se meteu, pisou na Constituição. Mais uma vez declara ter sido
traído. Prefiro acreditar que o presidente não está falando sério. Se há alguém traído, não é ele, mas o povo
brasileiro, vítima de um governo incompetente, incapaz de encontrar solução para uma crise com 180 dias e
ainda sem data e hora para acabar.
O doutor Ulysses Guimarães costumava dizer que não existe vazio de
poder. Se ele não é exercido por quem
tem esse dever, outro o fará. A crise
mostrou enorme vazio de poder no
Ministério da Defesa, fruto do despreparo do ministro Waldir Pires e da
leniência de um governo que inverteu
a hierarquia e transformou sargentos
em generais. Com a CPI, esperamos
colocar novamente a casa em ordem.
ONYX LORENZONI, 52, médico veterinário, deputado federal pelo DEM-RS, é líder do Democratas na Câmara.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Boris Fausto: Certezas e dúvidas
Índice
|