São Paulo, domingo, 04 de abril de 2010

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A lista infame

Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta

"ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid", diz o secretário-geral interino da Anistia Internacional, Claudio Cordone, "o mundo está rejeitando essa ofensa à humanidade".
Referia-se à pena de morte. Os dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana, autorizam algum otimismo em termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos quando o observador se aproxima da realidade de cada país.
Em 2009, cresceu para 95 o número de nações em que a pena capital foi completamente abolida da legislação. Em 1986, eram menos de cinquenta. Segundo outros levantamentos, a quantidade de países que a aboliram ou não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano, para 117 em 2004.
É nesta segunda categoria de países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação conceitual. Ao contrário do que se pensa, a Constituição de 1988 não suprime de forma absoluta a pena de morte. Está prevista em situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.
Na prática, são de meados do século 19 os últimos casos de execução decidida judicialmente no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os exemplos extrajudiciais.
Traduzindo noções primitivas e emocionalizadas de Justiça, a pena de morte não é apenas ineficaz no combate à criminalidade; trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar ao Estado, instituição humana, falível e submissa à pressão dos mais variados interesses, o poder de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa.
O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no mundo contemporâneo.
Com 388 execuções, o Irã é um dos recordistas internacionais no derramamento de sangue. Ressalte-se que 112 aplicações da pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que se quis associar ao espetáculo.
Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da China -mas a Anistia Internacional, que assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não divulgou cifras em seu relatório. O sigilo de Estado, naquele país, soma-se à repressão.
São também representativos do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros países que se destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia Saudita estão entre os líderes em execuções humanas.
Não deixa de ser irônico, para os adeptos da teoria do "choque das civilizações", que os Estados Unidos também façam parte dessa lista infame. Nem sempre democracia e civilização parecem ser antípodas, com efeito, de obscurantismo e violência.


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