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A lista infame
Relatório da Anistia Internacional mostra presença da pena de morte nos regimes mais autoritários do planeta
"ASSIM COMO ocorreu com a escravidão e o apartheid", diz o secretário-geral interino da Anistia Internacional, Claudio Cordone, "o mundo está rejeitando
essa ofensa à humanidade".
Referia-se à pena de morte. Os
dados do último relatório da entidade, divulgados nesta semana,
autorizam algum otimismo em
termos globais, ainda que provoquem sentimentos opostos
quando o observador se aproxima da realidade de cada país.
Em 2009, cresceu para 95 o
número de nações em que a pena
capital foi completamente abolida da legislação. Em 1986, eram
menos de cinquenta. Segundo
outros levantamentos, a quantidade de países que a aboliram ou
não a aplicam é ainda maior, tendo passado de 66, naquele ano,
para 117 em 2004.
É nesta segunda categoria de
países que se pode incluir o Brasil, não sem alguma hesitação
conceitual. Ao contrário do que
se pensa, a Constituição de 1988
não suprime de forma absoluta a
pena de morte. Está prevista em
situações de guerra, e sua aplicação está regulada em lei de 1969.
Na prática, são de meados do
século 19 os últimos casos de
execução decidida judicialmente
no Brasil, e constam do noticiário cotidiano, como é notório, os
exemplos extrajudiciais.
Traduzindo noções primitivas
e emocionalizadas de Justiça, a
pena de morte não é apenas ineficaz no combate à criminalidade; trata-se também de uma abjeção política. Significa entregar
ao Estado, instituição humana,
falível e submissa à pressão dos
mais variados interesses, o poder
de decidir irreversivelmente sobre a vida de uma pessoa.
O relatório da Anistia Internacional demonstra, aliás, de que
modo interesses de Estado e pena de morte se combinam no
mundo contemporâneo.
Com 388 execuções, o Irã é um
dos recordistas internacionais
no derramamento de sangue.
Ressalte-se que 112 aplicações da
pena de morte se deram no período de dois meses entre as eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad, o que sem dúvida indica o papel de intimidação que
se quis associar ao espetáculo.
Os números do Irã só são suplantados, estima-se, pelos da
China -mas a Anistia Internacional, que assinalara 1.718 execuções em 2008, desta vez não
divulgou cifras em seu relatório.
O sigilo de Estado, naquele país,
soma-se à repressão.
São também representativos
do que há de atrasado, fundamentalista e repressivo outros
países que se destacaram no relatório: Sudão, Iêmen e Arábia
Saudita estão entre os líderes em
execuções humanas.
Não deixa de ser irônico, para
os adeptos da teoria do "choque
das civilizações", que os Estados
Unidos também façam parte
dessa lista infame. Nem sempre
democracia e civilização parecem ser antípodas, com efeito, de
obscurantismo e violência.
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