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CLÓVIS ROSSI
Quando a inocência mata
SÃO PAULO - Caro leitor, volte,
por favor, à foto no alto da capa de
ontem desta Folha. Mostra a menina Dzhennet Abdurakhmanova, de
17 anos, suspeita de ter sido uma
das mulheres-bomba que se explodiram segunda-feira no metrô de
Moscou, matando ao menos 40
pessoas, inclusive elas próprias.
Ouso dizer que foi a foto que, nos
últimos muitos meses, mais me
chocou, mais até do que as dos terremotos no Haiti e no Chile. Explico: explosões da natureza são incontroláveis; aos humanos, só resta
lamentá-las.
Explosões humanas é que pedem entendimento para tentar evitá-las, o que me parece cada vez mais
improvável.
A foto de Dzhennet é a própria
contradição: o rosto da perfeita
inocência cercado pela personificação do seu oposto, duas armas, uma
na mão da própria menina, a outra
na do noivo, morto pelas tropas
russas na Tchechênia.
Qualquer pintor de talento transformaria o rosto da menina em um
quadro imortal. Mas a inocência
preferiu matar-se -e a dezenas de
outros- antes mesmo de ter tido
tempo para viver a vida, seus gozos
e suas dores.
Que argumentos são usados para
convencer uma Dzhennet, na
Tchechênia, nos morros do Rio, nas
selvas da Colômbia, nas profundezas de Darfour, onde quer que seja,
que vale mais matar e morrer do
que viver os sonhos que só a inocência permite ter?
Fanatismo? Claro. Fanáticos
sempre houve, de todas as cores e
crenças. Maldade? Também, idem,
idem, idem.
Mas suspeito que, para convencê-las, é preciso que os olhos das
Dzhennets, ao olhar para a frente,
ao procurar o horizonte, como parece acontecer na foto da capa, não
vejam nada, não vejam ao menos um lampejo de esperança.
Se é assim, chegamos a um estágio em que a desesperança venceu
o medo. De matar e de morrer.
crossi@uol.com.br
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