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JOSÉ SARNEY
Lucro versus saúde
Com o fim da polarização ideológica, surgiu a necessidade de um
novo ordenamento mundial visando
à sobrevivência da humanidade. Um
dos problemas identificados foi o das
doenças desconhecidas, a exigir uma
ação coordenada para salvaguardar a
espécie humana. A Aids foi o primeiro
sinal vermelho a aparecer, logo tornada pandemia, com o aspecto singular
de estar ligada à reprodução, na associação trágica do amor à morte.
Mobilizaram-se no mundo inteiro a
inteligência científica e os centros de
pesquisa para identificar a doença,
métodos de prevenção e tratamento.
No Congresso de Vancouver sobre
Aids, em 1996, no Canadá, foi anunciada a descoberta das drogas inibidoras da protease, que, conjugadas, diminuíam a quantidade de vírus e evitavam a eclosão da doença, embora o
HIV permanecesse ativo, sem desaparecer. Os laboratórios do mundo inteiro, ávidos de resultados, viram nessa
descoberta não o lado humano, a extraordinária conquista científica, mas
a abertura de um campo de fantásticos ganhos econômicos.
Para o domínio do mercado global
de fármacos, os americanos passaram
a exigir que todos os países aderissem
a leis de proteção a patentes e impuseram severa defesa da indústria química. Alguns setores no nosso país resistiram. Mas o governo brasileiro cedeu,
fragilizado pela ameaça da crise econômica.
Eu era presidente do Senado quando apareceu, pelo Congresso, o ex-secretário da Defesa dos Estados Unidos
Gaspar Weinberger, que conheci
quando fui recebido em 1986 pelo presidente Reagan. Agora, era nada mais
nada menos do que o lobista privilegiado do oligopólio da indústria química. Veio ameaçar com sanções dos
EUA se não votássemos a Lei de Patentes.
O embaixador dos Estados Unidos
àquela época confirmou, em carta tornada pública, a pressão sobre o assunto. A lei foi aprovada, com a ressalva
de que a patente pudesse ser quebrada
quando ocorresse "falta de fabricação
do produto no Brasil ou emergência
ocasional de saúde".
O Brasil é reconhecido, mundialmente, como detentor do melhor programa de combate à Aids. Tenho um
pouco de ajuda nessa história. Ele começou com projeto de minha autoria,
dando gratuidade na distribuição de
remédios contra o HIV. Minha condição de presidente do Congresso fez
com que o projeto fosse aprovado e
sancionado em poucos dias. A área
econômica do governo quis vetá-lo,
alegando, como sempre, falta de recursos. Reagi e o presidente sancionou. A partir daí, o Ministério da Saúde passou a ser o maior comprador
desses medicamentos. As multinacionais aproveitaram para aumentar os
preços. A elas não interessavam razões humanitárias, só lucros. Agora,
como o exemplo está pegando no
mundo inteiro, o governo americano
quer evitar que países pobres fabriquem esses medicamentos e acusa o
Brasil de chefiar essa cruzada.
Temos, assim, reconhecidamente,
uma grande causa. O ministro José
Serra, corajoso e eficiente, está à frente
dela. Total apoio a ele, que, como nós,
deseja um mundo sem epidemias, o
que os laboratórios consideram desgraça para os seus lucros.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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