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MARCELO BERABA
Natureza demoníaca
RIO DE JANEIRO - Vamos, aos poucos, acostumando-nos a tudo. Parece
ser da natureza humana. Mas, vez ou outra, o tudo nos sabe tão amargo,
tão intragável, tão difícil que, mesmo
acostumados, não nos conformamos.
Milhares de leis pretensamente civilizatórias não são suficientes para determinar uma ética inquestionável e
por todos aceita. Nos últimos dias, vivemos uma torrente de exemplos que
mostram como a confusão nos tomou
a todos.
Os senadores que obtiveram a lista
com os votos secretos da cassação de
Luiz Estevão mentiram, admitiram
que mentiram, confessaram verdades parciais e acham que os erros ou
crimes que cometeram são menores e
se justificam. ACM acredita, inclusive, que a transgressão e a mentira cometidas por ele têm amparo em razões de Estado, a preservação da
imagem pública do Senado. Há uma
lógica. Há uma ética?
No Rio, uma senhora favelada denuncia o marido por achar que ele tinha exagerado nos crimes que cometera. "Uma coisa é roubar para botar
comida dentro de casa. Aqui, todo
mundo compreende isso. Outra é estuprar e matar uma mãe de família."
Há uma lógica. Há uma ética?
Ainda no Rio, pressionados, quatro
alunos de uma escola de classe média
alta confessam que fumaram maconha. Outros colegas que também teriam fumado não se entregam. Os
quatro são expulsos. Os estudantes
organizam uma manifestação que
expõe as contradições das classes que
querem ordem e lei na casa dos outros, mas defendem a descriminalização de seus próprios problemas.
Além da droga, o episódio colocou
em discussão a questão da formação
do caráter. Uma das camisetas da
manifestação sintetizava o dilema
pedagógico: "Minta, não admita, você vai se dar bem na vida."
Há uma lógica. Há uma ética?
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