São Paulo, sexta-feira, 04 de maio de 2001

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MARCELO BERABA

Natureza demoníaca

RIO DE JANEIRO - Vamos, aos poucos, acostumando-nos a tudo. Parece ser da natureza humana. Mas, vez ou outra, o tudo nos sabe tão amargo, tão intragável, tão difícil que, mesmo acostumados, não nos conformamos.
Milhares de leis pretensamente civilizatórias não são suficientes para determinar uma ética inquestionável e por todos aceita. Nos últimos dias, vivemos uma torrente de exemplos que mostram como a confusão nos tomou a todos.
Os senadores que obtiveram a lista com os votos secretos da cassação de Luiz Estevão mentiram, admitiram que mentiram, confessaram verdades parciais e acham que os erros ou crimes que cometeram são menores e se justificam. ACM acredita, inclusive, que a transgressão e a mentira cometidas por ele têm amparo em razões de Estado, a preservação da imagem pública do Senado. Há uma lógica. Há uma ética?
No Rio, uma senhora favelada denuncia o marido por achar que ele tinha exagerado nos crimes que cometera. "Uma coisa é roubar para botar comida dentro de casa. Aqui, todo mundo compreende isso. Outra é estuprar e matar uma mãe de família." Há uma lógica. Há uma ética?
Ainda no Rio, pressionados, quatro alunos de uma escola de classe média alta confessam que fumaram maconha. Outros colegas que também teriam fumado não se entregam. Os quatro são expulsos. Os estudantes organizam uma manifestação que expõe as contradições das classes que querem ordem e lei na casa dos outros, mas defendem a descriminalização de seus próprios problemas.
Além da droga, o episódio colocou em discussão a questão da formação do caráter. Uma das camisetas da manifestação sintetizava o dilema pedagógico: "Minta, não admita, você vai se dar bem na vida."
Há uma lógica. Há uma ética?


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